A Saúde do faz de conta

  • 02-08-2022

“Pensar que o atendimento se faz apenas com médicos é não entender os princípios modernos na prestação de cuidados de saúde em equipa.” A frase não é minha, mas podia ser. É a constatação sensata de alguém que conhece e compreende as reais necessidades do Serviço Nacional de Saúde. A frase é do insuspeito, médico, Fernando Araújo, Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário de São João.

Aumentar, só por si e sem mais, o pagamento das horas extraordinárias dos médicos e acreditar que essa é a solução para um sistema preso por arames, é como receitar paracetamol a um doente em paragem cardiorrespiratória. Os responsáveis políticos sabem disto. E sabem mais. Têm a perfeita noção de que no contexto de trabalho multidisciplinar em ambiente hospitalar, nomeadamente num serviço de urgência, não há equipa que vá resistir a este agravamento das desigualdades salariais. Certamente que não será preciso recordar os milhares de horas extraordinárias que o Estado deve aos enfermeiros, nem tão pouco voltar a lembrar quanto é que cada um leva para casa no final do mês, assim como os assistentes operacionais.

O Governo escolheu o caminho fácil, mas também o mais injusto, até porque como toda a gente já percebeu, o novo diploma aprovado para aumentar o valor hora dos médicos está condenado à partida. O Ministério da Saúde dá com uma mão e tira com as duas, mas não deixa de sinalizar a sua estratégia política: acalmar grupos de pressão, ganhar tempo e continuar incapaz de ter uma ideia verdadeiramente reformista para o SNS.

Falta coragem e visão. É preciso olhar para o problema dos recursos humanos na Saúde como um todo, dar autonomia real aos hospitais e não este faz de conta que decidem. Os médicos estão mal pagos? Sim, mas não são os únicos. Os enfermeiros vivem no limiar da indignidade salarial e dos assistentes operacionais nem se fala. Ao fingir que acredita que é por aqui que resolve o problema, o Governo aceita entrar uma realidade paralela de faz de conta. Faz de conta que os hospitais vão ter dinheiro para aplicar o diploma, faz de conta que os médicos do litoral vão ser atraídos para ir fazer urgências ao interior, faz de conta que os enfermeiros vão aceitar a nova realidade sem lutar, enfim, enquanto o poder vive no mundo do faz de conta, há mulheres a perderem bebés porque o Estado não é capaz de garantir aquilo que contratualizou com os cidadãos. Não vale a pena fazer de conta que não é verdade. 

 

Artigos mais antigos: 

A culpa é do povo

A estupidificação dos cidadãos

A Saúde não vai de férias

As escusas e a gestão

Tocam as sirenes

O prometido é devido

Todos pela Saúde

Atenção aos sinais 

Um Governo para o PS

Sem respeito e sem vergonha

Medo e silêncio 

Há sempre a rua 

Perigo absoluto

Já passaram seis anos 

O desnorte

O choque 

Pandemia da desumanidade 

É oficial, estão em campanha 

Oportunidade perdida 

Neste não, só no próximo Orçamento

Ordens para calar

Dois mundos, uma vacina

Pisar o risco 

Um país que corre atrás 

Primeiro a ciência 

As crianças podem esperar 

Pela força não há argumentos

Sem foco

É só bola 

Um alerta global 

É possível outro caminho

Não há bazucas grátis

Vacine-se 

A culpa já morre solteira

Ministra da injustiça 

Desconfinar a duas vozes

Proibido voltar a falhar

Sinais de liderança

Não vacinem chicos-espertos

Não temos mais Enfermeiros

Vacina, Amor e Democracia

Tudo pelo ar

Um orçamento contra os Enfermeiros 

O tempo da vergonha

Perdemos tempo e oportunidades

Um risco de subsídio

Mal pagos, sim!

No papel está muito bem

Vem aí o Inverno

Não se deixem distrair

Os homens também choram

Não debater para não pensar

O inferno a olho nu

E se ficarmos sem Enfermeiros?

A ver passar aviões

E o plano para a Saúde?

Um golo para todos

A manta continua curta

Enquanto o telefone toca em Londres

É urgente valorizar quem cuida

Proteger e testar

Hora de confiar

E a inquietação

Sem memória e sem culpa

Com chá e bolos

Oportunidade perdida