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01-02-2022
Perigo absoluto

Os portugueses escolheram a estabilidade. O PS terá quatro anos de caminho livre para governar, sem desculpas ou crises fabricadas à medida da sua ambição eleitoral. A esquerda uniu-se em torno de António Costa para terminar com os bodes expiatórios da governação dos últimos anos.
Acabou-se o tempo do faz de conta. Perante uma governação apoiada por uma maioria absoluta, o PS não pode continuar a fazer de conta que quer fazer, reformar e valorizar os serviços públicos. Chegou o tempo do tudo ou nada. Este PS quer, ou não, reformar o Serviço Nacional de Saúde, dignificar os seus profissionais e garantir que milhões de portugueses não continuam excluidos do acesso a cuidados básicos? Este PS quer, ou não, reconhecer o profissionalismo e o esforço dos enfermeiros? Tenho sérias dúvidas. Há, na agenda socialista, outras prioridades.
Em clima de maioria absoluta, os desafios acompanham os medos. A última memória do tempo de poder absoluto abafa qualquer suspiro de esperança. No largo do Rato, os olhos do aparelho já reflectem os milhões de Bruxelas, como nos desenhos animados. Agitam-se os amigos, os boys, e a rede de contactos que saliva com o que aí vem. Resmas de euros. Resmas de oportunidades que, à boa maneira socialista, devem acabar na mão dos mesmos de sempre.
A maioria absoluta é muitas vezes inimiga da Liberdade. António Costa fala em diálogo na noite eleitoral, mas a história dá-nos todas as razões para desconfiar. Sem poder absoluto, Costa e o seu governo perseguiram uma Ordem Profissional porque cumpria o seu dever, denunciou enfermeiros que se manisfestavam livremente e nunca se conformou com a minha inquietação. Alguém consegue imaginar o que será, agora, com maioria absoluta?
Os tempos que aí vêm pedem uma sociedade civil vigilante e crítica, uma oposição decidida e orgãos de comunicação social independentes, livres e corajosos. A verdade é que o clima que se vive em Portugal deixa-me apreensiva sobre o exercício do poder sem contraditório. Os dias que se aproximam serão particularmente exigentes para todos aqueles que se recusam a aceitar sem questionar e que preferem a denúncia ao silêncio.
Cá em casa, enquanto escrevo, toca uma das minhas músicas preferidas. “Mesmo na noite mais triste, em tempo de servidão, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não.”
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