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07-12-2021
Pandemia da desumanidade
Era apenas uma questão de tempo, como defendi há uns meses. Estava escrito nas estrelas e só não via quem sempre se recusou a tirar a cabeça do chão e a olhar o céu. Os Governos do dito primeiro mundo vivem demasiado focados nos próprios pés, cravam os olhos no seu caminho e são incapazes de ver mais além. O preço está aí: uma nova variante ameaça o mundo inteiro, destapa o medo e reforça a insegurança. Uma pandemia não se combate com medidas locais e não há ciência que resista ao egoísmo. Já devíamos ter aprendido isto com a história. As Nações ricas bem podem vacinar 100% da população, descobrir o melhor dos fármacos e apresentar serviços de saúde de ponta. Se ignorarem que vivem no mundo desigual, os países ditos desenvolvidos continuarão a cavar o fosso entre ricos e pobres, protegidos e desprotegidos, privilegiados e abandonados. Porque é sobre Saúde, o que o vírus nos pede é que reflitamos sobre a vida. Foi assim com o VIH. A cada dois minutos, uma criança é infetada. Milhares e milhares morrem sem ter acesso a tratamento, enquanto por cá, felizmente, graças à medicação, tornou‐se numa infeção crónica. Engana‐se quem pensa que já não se morre de Sida. Lá longe, onde não chega o olhar nem os medicamentos, o vírus continua a matar. O que tem isto a ver com a COVID‐19? Tudo. Deixámos ao abandono milhões de pessoas no processo de vacinação que deveria ter sido global. Ignorámos os alertas e continuámos sem tirar a cabeça do chão. Esquecemos que de nada valia vacinar metade do mundo e deixar a outra metade sujeita ao acaso, às mutações do vírus, sabendo que o resultado disso seria uma fatura paga por todos, ricos e pobres, sem exceção. Enquanto na Europa há já quem tenha garantida a quarta dose da vacina, há zonas do planeta onde ainda não chegou a primeira. A forma como o dito primeiro mundo está a gerir esta pandemia diz muito sobre as suas próprias limitações. Primeiro, recusa‐se a entender a Urgência da vacinação global e não se envolve suficientemente no processo dos países em desenvolvimento. Depois, aos primeiros sinais de uma nova variante, fecha as portas e as janelas de casa, isola‐se e segrega boa parte do continente africano que já tinha abandonado. Não é só hipócrita, é desumano. Começa a ficar claro que não vamos lá sem uma vacina contra a desumanidade.
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