Uma vacina, dois mundos

  • 28-09-2021

“Vai ficar tudo bem”. O desejo, em modo de vaticínio, correu o mundo. Fez-se arco-íris, música e palavra de revolução. Não há nada mais revolucionário do que a convicção de que as coisas mudam simplesmente porque acreditamos que podem mudar.

Passou um ano e meio. Lamento desiludir os mais otimistas: não está tudo bem.

O processo de vacinação está a ser um sucesso em várias zonas do mundo que se aproximam da imunidade local. A verdade é que o trabalho de Saúde Pública que deve ser feito, agora com prioridade máxima, é o da imunidade global, e isso não se consegue sem uma estratégia de vacinação que não distinga ricos de pobres, países desenvolvidos de outros em desenvolvimento.

À semelhança do que se passa noutras regiões do globo, por cá já se começa a discutir a necessidade da terceira dose, apesar do debate científico estar longe de estar concluído sobre a oportunidade, eficácia e efeitos secundários da mesma. O que sabemos é que a União Europeia contratualizou com uma farmacêutica a produção da mesma vacina, sem alterações, até 2023. E também sabemos que não estão previstas que fiquem nos armazéns.  

Há uns dias, um amigo escrevia que deveria ser um imperativo moral, de qualquer ser humano, recusar a terceira dose enquanto houver gente neste mundo a quem ainda não foi dada a oportunidade de receber a primeira. Concordo, mas prefiro colocar a questão não no domínio da moralidade individual, mas dentro do quadro das obrigações dos Estados.

Antes de falarmos em terceiras doses, deveríamos, isso sim, estar a refletir sobre um quadro de ação global para vacinar os países mais pobres. É essa a grande prioridade do momento tendo em vista a necessária imunidade global. Só assim podemos reduzir a probabilidade do surgimento de novas e perigosas variantes.

Quando pintámos arco-íris e cantámos que iria ficar tudo bem, imaginávamos um mundo melhor, mais solidário e humano. Só depende de nós. É uma questão de prioridades. 

 

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