O choque

  • 21-12-2021

Desesperado, sem conseguir descansar e farto de esperar por uma vaga no internamento, um doente enrolou-se num cobertor e fugiu dos serviço de urgência dos Hospitais da Universidade de Coimbra. O país acordou em choque. A imagem arrepia, mas é uma metáfora dos dias que vivemos na Saúde, porque fala de dignidade, ou da falta dela.

A fuga deste doente deve fazer-nos corar de vergonha. É o grau zero de um sistema que dadas as suas enormes e ignoradas fragilidades, não consegue colocar as pessoas no centro. É por isso que têm crescido os pedidos de escusa de responsabilidade por parte dos enfermeiros. Ninguém quer ser cúmplice deste sistema, de um jogo viciado que é cada vez menos capaz de responder aos anseios legítimos da população. Aos problemas evidentes de acesso e às más condições infraestruturais, junta-se agora, muito por força da falta de recursos humanos, dificuldades na assistência.

É preciso dizê-lo sem medo: o tempo de excelência do SNS está ameaçado. Perante o actual cenário, introduziu-se o factor sorte na equação. Quem dá entrada num serviço de saúde passa a estar sujeito a esse acaso. Dito de outra forma, é preciso ter sorte. É necessário que haja vaga, é essencial que haja enfermeiros, médicos e assistentes operacionais. Nenhum sistema de Saúde no mundo pode estar sujeito à arbitrariedade, apesar do profissionalismo inquestionável de todos. É por isso que Constanino Sakellarides, numa recente e esclarecedora entrevista, alerta que é o momento para “um choque terapêutico” na saúde. Choque é a palavra certa.

A pouco mais de um mês das eleições, ainda ninguém sabe o que pensam os partidos sobre as reformas urgentes para o sector. O partido do Governo arrasta-se num penoso exercício de empurrar o problema com a barriga, como se os últimos seis anos não tivessem acontecido. Na oposição, faltam ideias. A esquerda, cúmplice da governação, tem notórias dificuldades para encontrar um discurso que não morra de vergonha, e a direita, ausente do debate, está mergulhada num vazio incapaz de apresentar um modelo alternativo.

Da minha parte, continuarei a escrever, porque o que é escrito fica para sempre. Sobrevive ao tempo, resiste à mentira e eterniza a verdade. 

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