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21-06-2022
A Saúde não vai de férias

Parece que descobrimos, numa semana de feriados encostados ao fim-de-semana, que o Serviço Nacional de Saúde tem problemas estruturais graves. Mais vale tarde do que nunca. Foi necessário aparecer um feriado à sexta-feira, e outro à segunda, para encontrarmos doentes a quem o SNS não consegue dar resposta, serviços desorganizados e carência de
recursos humanos. Foi preciso faltarem médicos obstetras nalguns serviços para o País perceber que lhe falta muito mais do que isso. Mais vale tarde do que nunca.
António Costa veio assumir que o problema é estrutural e Fernando Medina apressou-se a garantir que há dinheiro com fartura para o SNS. No lugar da ministra Marta Temido, eu teria batido com a porta na hora. Não é só uma tremenda falta de solidariedade política para com a colega de Governo, mas a tentativa de infantilizar os portugueses.
É óbvio que o problema é estrutural, mas António Costa é primeiro-ministro há quase sete anos, não chegou ontem. Quanto a Fernando Medina, ter chegado ontem não lhe dá o direito de brincar com os agentes do sector. O homem forte das finanças deste País é o único que ainda não percebeu que sim, um dos problemas do SNS tem a ver com o crónico subfinanciamento. Não é matéria de opinião, mas de facto. Não é conversa de café. São números. E a um ministro das Finanças exige-se, no mínimo, que conheça alguns deles.
Na verdade, se as férias e as folgas dos médicos vieram servir para abrirmos um profundo debate sobre o Sistema Nacional de Saúde, contem comigo. Aliás, estou há 6 anos a alertar para os riscos que corremos. Nunca me calei, nem me escondi, ao contrário de outros que não sei onde andaram quando os enfermeiros especialistas quiseram travar uma luta pela Saúde de todos. A batalha pelo sector não se trava com exigências pontuais de uma micro-classe, mas olhando com profundidade, coragem e verdade para o estado global dos recursos humanos da Saúde. Ainda assim, se quiserem começar por resolver o problema das urgências de obstetrícia, proponho que deixem Portugal transpor a diretiva comunitária que permite aos
enfermeiros especialistas nesta área exercerem as competências que já detêm e acompanharem grávidas de baixo risco, por exemplo incluindo a prescrição dos exames e medicamentos.
Peço desculpa se tenho desiludido aqueles que esperavam que entrasse no coro político da espuma dos dias. Não vou por aí, mas tenho factos para a troca: Portugal tem mais de 20 mil enfermeiros emigrados; só no serviço de urgência do hospital de Santa Maria, em Lisboa, precisamos do dobro dos enfermeiros para garantir aos doentes prestação de cuidados de
qualidade e em total segurança; ao contrário dos médicos a quem o Estado paga, e muito bem, o internato da especialidade, os enfermeiros são obrigados a pagar do seu próprio bolso; o Estado deve o pagamento de milhares de horas extraordinárias aos enfermeiros; a Joana, enfermeira há 25 anos, leva para casa, por um mês de trabalho, aquilo que alguns tarefeiros garantem ao fim de poucas horas na urgência.
Vamos incluir estes temas na discussão estrutural, ou preferem esperar pelos próximos
feriados?
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