Heróis de Londres: “Enfermeiros, orgulhosamente portugueses”

Há um enfermeiro português a abrir os noticiários das maiores estações de televisão internacionais. Carlos Pinto está na BBC, na CNN, chovem contactos da América Latina e da Europa. “É um orgulho colocar os enfermeiros portugueses nas notícias pelo mundo fora. É um orgulho que falem na nossa enfermagem e reconheçam a nossa competência”, desabafa o homem que salvou a vida de uma jovem de 17 anos durante os ataques terroristas no Borough Market, em Londres.

 

Na verdade não é a história de um enfermeiro só. Foram dois. Um enfermeiro e uma enfermeira. Os dois portugueses. De vítimas a salva vidas em segundos. “Quando vi uma jovem a ser transportada em braços a sangrar porque tinha sofrido uma facada no tórax, saltei para cima das mesas e disse a uma colega: ‘Temos de trabalhar, temos de travar esta hemorragia e estabilizá-la’”. Estava alterado o chip. Carlos deixou de ser, naquele exacto momento, uma das dezenas de vítimas ameaçadas por um terrorista que lançava o pânico num bar de Londres com uma faca em punho. “Não havia dúvidas. Não podia ficar indiferente. Tinha de agir como enfermeiro”. Assim foi.

 

A história está a ser contada pelo mundo inteiro. Carlos rejeita o rótulo de herói mas agradece a preocupação da Ordem dos Enfermeiros que lhe fez chegar, logo nas primeiras horas, um sentido agradecimento pelos serviços prestados. “A senhora bastonária vem muitas vezes a Londres e conhece a realidade dos enfermeiros portugueses cá. A enfermeira Ana Rita Cavaco sabe bem o valor dos conhecimentos que temos”, resume com orgulho.

 

A tarde de Sábado já ia longa. O grupo de quatro amigos decidiu ir jantar ao El Pastor. Cerca de 20 minutos depois de terem chegado, os gritos anunciaram o fim da paz. “Pensámos que era uma discussão banal, mas rapidamente percebemos que se tratava de um homem com uma faca a tentar esfaquear as pessoas que encontrava pelo caminho. Começou toda a gente fugir. Eu e a minha colega caímos no chão e não conseguimos fugir logo. Começámos a gritar: ‘”Somos enfermeiros, quem precisa de ajuda?’”, recorda Carlos Pinto menos de 48 horas depois do ataque.

 

No meio do caos, Carlos viu uma jovem a fugir da vida e a sua vida mudou. Aproximou-se da vítima e com a ajuda da colega começou por fazer uma promessa: “Não te vamos deixar, mesmo que toda a gente fuja nós vamos ficar aqui até te virem buscar”. Passaram duas horas e meia. O que se segue é enfermagem. É a vida a escapar entre os dedos e a enorme vontade de não deixá-la fugir.

 

“Pedimos uma caixa de primeiros socorros. O importante foi fazer a compressão para pararmos a hemorragia. Fizemos uma avaliação da respiração, tentámos acalmá-la para colaborar connosco e optámos por colocá-la numa posição confortável mas que permitisse reduzir a pressão sanguínea na zona do tórax. Aplicámos bastante gelo para fazer uma vasoconstrição. Felizmente, estacámos a hemorragia mas o estado de saúde foi-se deteriorando. O pulso começou a ficar mais fraco, a jovem descorada e a dar sinais de debilidade respiratória. Nesse momento, pedimos ajuda para elevarmos os membros inferiores para irrigar os órgãos principais e tentar mantê-la consciente.”, detalha.

 

Enquanto Carlos e a colega agarravam a vida, ouviam-se tiros a procurar a morte. Mais morte.

 

 

“Prometemos um ao outro que ficaríamos ali mesmo que toda a gente fugisse”, lembra o enfermeiro. Os paramédicos acabaram por chegar e a jovem seguiu para o hospital em estado crítico. Salvou-se. Está viva e fora de perigo. “Gostaria de poder vê-la. Essa era a recompensa que eu e a minha colega gostaríamos de ter como enfermeiros. Agimos como cidadãos, enfermeiros e orgulhosamente portugueses”, remata o emigrante em Londres desde 2013. Um entre milhares, dos nossos.

FC