Três enfermeiros partilham a sua experiência de deixar de fumar

  • 31-05-2023

Os números são avassaladores. Todos os anos o tabaco provoca a morte a oito milhões de pessoas. A Organização Mundial de Saúde (OMS) apela: "Não seja uma delas." Neste 31 de Maio assinala-se o Dia Mundial sem Tabaco, data criada em 1987 e que desde então visa reforçar a consciencialização sobre os efeitos prejudiciais do uso do tabaco, mas também da exposição ao fumo passivo.

 

E mais de um milhão de pessoas morre por estar exposta ao fumo passivo. Outro número destacado pela OMS. Mas aqui ficam mais alguns: após apenas 20 minutos sem fumar e há uma melhoria do batimento cardíaco; entre um a nove meses e as dificuldades respiratórias (falta de ar) diminuem; entre cinco a 15 anos e o risco de um AVC é idêntico ao de um não fumador; em 10 anos o risco de cancro do pulmão baixa e em 15 o risco de problemas cardíacos é o mesmo de quem não fuma.

 

Razões para não fumar ou deixar de o fazer são muitas. A OMS aponta 100 e três enfermeiros contam aqui as suas. Dois há muito que venceram o vício, uma enfrenta a luta mais recentemente, mas está dedicada em não voltar a pegar num cigarro. As motivações podem diferir, mas em comum defendem que a força mental é essencial para de uma vez por todas apagar o último cigarro.

 

Enfermeira Catarina Loureiro, 45 anos

 

"Fez no dia 11 de Fevereiro nove anos que deixei de fumar." A Enfermeira Catarina Loureiro di-lo convictamente. Não esquece o tempo em que fumou, mas principalmente não esquece o que a motivou a deixar.

 

"Fumei desde os 13 anos. Houve pausas entretanto. Há sempre aquelas tentativas... Uma pessoa deixa durante uma semana, ou um mês ou dois e depois volta. Na primeira gravidez deixei e até dois anos, mais ou menos. Depois de forma estúpida voltei. Na segunda gravidez foi quando decidi que ia deixar completamente."

 

"A motivação? Pelo facto de estar grávida e ter a perfeita noção que é prejudicial, não querer fazer mal aos meus filhos, para mim foi o motivo mais do que suficiente. A minha filha dizia às vezes que quando fosse grande queria 'tomar' cigarros como a mamã e uma pessoa fica a pensar que isto não é um bom exemplo!"

 

"O meu pai morreu com uma DPOC [Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica]- Ele já estava a fazer oxigénio 24 horas por dia e perdeu bastante qualidade de vida [já reformado] e eu não queria isso para mim."

 

Catarina Loureiro deixou de fumar de um momento para o outro, mas não foi fácil resistir ao desejo que aqui e ali foi surgindo. Recorreu a estratégias para ultrapassar essas alturas.

 

"Tentava ocupar-me com outras coisas. Se estivesse em casa, ia dar uma volta. Deixei de fazer as coisas que me faziam pegar num cigarro. Praticamente deixei de beber café, agora só de manhã, porque era uma vontade enorme que sentia."

 

"Lembro-me uma vez de estar a limpar a casa e eu tinha o hábito de limpar a cozinha começando de dentro para fora, ou seja, para a varanda. Enquanto estava à espera que secasse fumava um cigarro. Uma vez fiz isto e quando cheguei à varanda foi uma vontade horrível!"

 

"Acho que o mais difícil nem é a parte física, não é o deixar, é a parte psicológica, aqueles pequenos gestos que sempre nos fazem ter vontade. Mas agora já lido bem. Limpo a cozinha e fico na varanda ao telemóvel ou a fazer outras coisas!"

 

A sua personalidade, de quem quando tem uma motivação de "tenho de fazer isto e tem de ser assim", como diz, foi um ponto decisivo. Destaca que a força mental é necessária, numa altura em que tem uma irmã a passar pelo mesmo, a tentar deixar de fumar e não pela a primeira vez.

 

"É uma luta diária. Lembro-me que estava a falar com colegas e perguntaram se o mundo acabasse amanhã o que é que faria? Disse: "Fumava um cigarro! Já que vai acabar amanhã..." Mas para Catarina Loureiro só mesmo um evento apocalíptico a faria fumar novamente.

 

Enfermeira Gina Loureiro, 49 anos

 

Para a Enfermeira Gina Loureiro, a mais recente tentativa começou a 22 de Setembro de 2022: "Já deixei de fumar 500 mil vezes, já perdi a conta! Sei que o máximo que estive sem fumar foram 26 meses. Agora estou numa nova tentativa. Vamos lá ver..."

 

Salienta que, desta feita, está a ser diferente. "Aproveitei uma cirurgia que fui fazer e solicitei previamente ajuda no hospital, mas caiu em esquecimento. Ninguém me ajudou em nada." A estratégia passou a ser outra: Pensos transdérmicos. Terminei a terceira fase [última] há bastante tempo, ainda no ano passado. Tenho uns pensos para prevenção."

 

Há alturas em que não é fácil resistir ao desejo de pegar num cigarro: "São aqueles momentos em que uma pessoa se sentava numa varanda a fumar um cigarrinho. O hospital onde trabalho fica à beira-mar, por exemplo, estar cá fora sentada num banquinho, a olhar o mar e a fumar um cigarrinho..."

 

Recorda quando começou, também aos 13 anos, como a irmã. "No meu tempo era porque era fixe. Fui para a Associação de Estudantes e toda a gente fumava lá. O meu irmão também, ele estava lá - é 17 meses mais velho do que eu - e andávamos sempre um atrás do outro. Ele deixou de fumar e nunca mais fumou na vida. Deixou no 10º ano, quando foi para desporto e eu não larguei."

 

Aos 32 anos tudo mudou.

 

"Engravidei e ficava a pensar que 'estou a fumar, estou a fumar' e depois abortei... Culpei-me, mas veio-se a saber posteriormente que não tinha nada a ver com isso. Deixei de fumar depois de perder o bebé. Estive 26 meses sem fumar, foi a minha primeira vez. Voltei a fumar quando voltei a sair. Tinha deixado de sair, estive muito isolada. Na altura toda a gente fumava. Deixava o maço no carro para não ter a tendência de fumar quando fosse para casa, mas ia dar ao mesmo. Às vezes descia e vinha buscar um cigarro."

 

A DPOC que o pai padeceu também tem um peso na decisão de querer tirar o tabaco da sua vida, ainda que desabafe: "É horrível dizer, mas é pena fazer mal!" Mas não hesita em mostrar-se comprometida em ter sucesso nesta tentativa, lamentando que não existam a consultas anti-tabágicas online no seu centro de saúde, que fica a 300 quilómetros: "Quando nós nos comprometermos é mais difícil errarmos. Sei que se fosse seguida haveria um comprometimento melhor... Agora é um dia de cada vez."

 

Quer acreditar que está num bom caminho: "Tenho esperança! Mas já não quero dizer nada!"

 

Está num ginásio - um grande lamento é ter engordado depois de deixar de fumar - e em seu redor são cada vez menos as pessoas que fumam, algo que não esconde ser importante. Espera que a melhor amiga também o faça agora que engravidou, admitindo que tem menos contacto com ela, pois "o cheiro do tabaco"...

 

Enfermeiro José Manuel Jacinto, 36 anos

 

"Se quer que lhe diga foi bastante fácil. Foi mais fácil do que eu pensava. Acho que já posso designar-me como ex-fumador e foi a melhor coisa que eu fiz a vários níveis: económico, social e familiar."

 

Já são oito anos desde que o Enfermeiro José Manuel Jacinto deixou de fumar. Ainda tem o último maço que comprou, com alguns cigarros e o isqueiro lá dentro, mas nunca mais tirou nenhum.

 

Também foi por volta dos 13 anos que começou. O que o fez deixar?

 

"Foi uma questão de saúde. Eu estava a fumar mais de um maço de tabaco por dia e já sentia algumas limitações. Sou um jovem com algum excesso de peso e de algum modo, sentia que havia às vezes alguma dificuldade na minha respiração. Sentia também, quando acordava de manhã, aquelas questões do mau hálito. Já existiam alguns problemas que sentia que estavam a perturbar o meu normal bem-estar."

 

"Depois foi uma questão económica. Pensei, quero comprar uma casa, quero evoluir, quero ter mais alguma coisa - nomeadamente comprei uma moto - pensei: 'Não, tenho de arranjar forma de poupar algum dinheiro de forma a poder usufruir do que a vida me possa dar'. Então foi mais um motivo."

 

"Uma questão amorosa também me levou a pensar em deixar de fumar. Foi uma época de vida que usufrui dos prazeres que a nicotina dá ao corpo humano. Foi um período de vida que tive e ficou por ali."

 

Recorreu a uma ajuda para tentar garantir que concretizava a vontade de deixar o tabaco: "Fiz um tratamento numa clínica, através de pontos específicos em que explicaram que seria feita uma sessão e que seria o último cigarro que quereria fumar. Era isso que pretendia."

 

"Foi através de electroestimulação nos pontos específicos e a partir daí foi também a nível psicológico, de pensar que não quero fumar."

 

A força mental foi essencial, tendo sido necessário recorrer a algumas estratégias para não cair em tentação.

"Nessa altura vivia num 11º andar e deixei o maço de tabaco no porta-luvas do carro. Obrigava-me a pensar que se quero fumar tenho de descer e subir 11 andares de escadas! Não vou de elevador! Ou seja, o esforço que teria de fazer para fumar não me compensava."

 

"E pensava: 'A abstinência da nicotina dura aquele fervor de fumar, 5/10 minutos e passa'. O tempo que levaria a descer e a subir as escadas não iria compensar. Então arranjava uma estratégia qualquer, de ouvir música, o que fosse, para deixar de pensar nisso. O que é certo é que resultou. Até hoje não mais fumei. Cheguei a abrir a porta, mas nunca desci os 11 andares de escadas para ir buscar um cigarro ao carro."

 

Acabaria por apostar na actividade física, não recorrendo a nenhum tipo de medicamento e realça que viver na linha de Cascais ajuda, pois pode "apanhar uns banhos de sol e de mar", evitando isolar-se e conseguir assim estar com pessoas que fuma.

 

Mas confessa: "Eu sou aquele ex-fumador um pouco ruim para os que são fumadores porque massacro um pouco. O vício é muito a nível mental. Se eu consegui, eu acho que o outro também pode fazer o esforço e tentar. O vício de mão, o vício de boca é muitas vezes psicológico e supera muitas vezes o querer deixar."

 

Quanto ao exercício físico: "Isso de algum modo ajudou-me bastante. Cheguei ao ponto de, a nível cardíaco, ser recusado de ser dador de sangue porque tinha a tensão baixa e estava com bradicardia."

 

Reiterando que sabe bem o quanto é difícil parar de fumar e que, para uma profissão como a enfermagem - o trabalhar por turnos, o stress, a realidade pandémica que não ajudou a resistir a alguns a voltar a fumar - dificulta o conseguir deixar de vez, José Manuel Jacinto salienta o que não pode faltar quando se toma a decisão: "É preciso força de vontade, é preciso um esforço. Não podemos cair na tentação de ser só um. Sair à noite com os amigos, beber, puxa sem dúvida. Mas lá no fundinho, se nós queremos não tocar, não tocamos."