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06-02-2020
Enfermeiros combatem em Portugal a Mutilação Genital Feminina
Em 2019 foram detectadas em Portugal 219 mulheres vítimas de Mutilação Genital Feminina (MGF). Em seis anos, desde que passaram a ter registo na Plataforma de Dados da Saúde, os casos conhecidos ultrapassam os 240. Este aumento de referenciações tem por detrás o esforço dos Enfermeiros que tudo fazem para erradicar uma tradição violadora dos mais elementares direitos da pessoa humana e, ao mesmo tempo, impedir que as meninas nascidas em Portugal sofram as mesmas excisões das suas mães oriundas de países com aquela prática enraizada.
Num gesto de solidariedade para com todas as mulheres vítimas da MGF, homenageando também os Enfermeiros que lutam pela extinção deste ritual macabro, a SRSul junta-se a todas as instituições no mundo que neste dia 6 de Fevereiro assinalam o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina (ver fotos).
Portugal é seguramente dos países no mundo com melhor organização na luta pela erradicação da MGF. Os Enfermeiros surgem como os principais intervenientes nesse processo em resultado da sua formação académica. No Instituto Politécnico de Setúbal (IPS) e na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa (ESEL) já se ministraram, no total, cinco pós graduações em Saúde Sexual e Reprodutiva – MGF (duas na ESEL e três no IPS). Os formandos são na sua maioria Enfermeiros.
Os mais recentes casos de mulheres com marcas de MGF foram detectados no Hospital Garcia da Orta (HGO), em Almada, onde trabalham 10 profissionais pós-graduados, entre estes a Enfermeira Carla Menino, coordenadora da Equipa de Prevenção da Violência no Adulto (EPVA). Conforme nos explicou, os casos ali referenciados são de mulheres já adultas, mutiladas nos seus países de origem.
A possibilidade de a prática se realizar em Portugal é pouco consistente. Não há casos comprovados. Porém, há suspeitas muito sérias. Certo é que surgem mulheres mutiladas nas unidades de saúde. Como e quando isso aconteceu? Segundo Carla Menino, tê-lo-ão feito ainda antes de migrarem para Portugal. Trata-se de famílias oriundas sobretudo da Guiné-Bissau, da Guiné Conacri, do Senegal, da Eritreia, da Serra Leoa, do Egipto – países onde a MGF é aceite e é muito praticada. Agora, encontram-se espalhadas sobretudo por Almada, Seixal, Amadora, Sintra, Vila Franca de Xira, Portimão, Loulé, Aveiro, Porto – legais e ilegais.
Essas mulheres, quando crianças, foram convidadas a participar numa festa, fazendo-as sentir o centro das atenções, com presentes especiais para aquele dia ou uma comida mais elaborada. Depois, seguiu-se o que elas hoje não conseguem narrar nem os mais insensíveis conseguem ouvir. É tudo demasiado doloroso. A maioria delas tinha menos de nove anos.
Geralmente tudo acontece entre os quatro e 14 anos. Mas, segundo o testemunho de várias mulheres, muitas crianças são submetidas ao sacrifício com apenas meses de vida. O relato é demasiado macabro. Aproveitam o choro natural do bebé para lhe excisarem o clítoris com a unha, confundindo o choro da dor. Sem anestesia. Nas crianças entre quatro e 14 anos, a mutilação pode demorar entre 15 a 20 minutos, dependendo da habilidade da excisadora, da extensão do corte e da resistência da menina. A ferida é depois coberta por substâncias cicatrizantes. As pernas são atadas até à cicatrização da ferida.
O recurso a antissépticos apenas se verifica no Egipto. Nos restantes países nunca a anestesia é aplicada. Os objectos com que são cortados o clítoris, os pequenos lábios e até os grandes lábios, são muito diversificados: pode ser um pequeno pedaço de vidro, ou uma faca que serve para todas. As famosas facas conhecidas por “fanadas” que epitetam as mulheres de “fanatecas”, as “especialistas” num dos mais horrendos crimes sobre crianças – o chamado “fanado”, ritual da MGF. São utilizadas facas, tesouras, lâminas de barbear, pedaços de vidro. Em raras ocasiões, pedras afiadas (Leste do Sudão) e agulhas (capital da Indonésia). A cauterização (queima) é praticada em algumas partes da Etiópia. Segundo a UNICEF, cerca de 200 milhões de meninas e mulheres terão sido submetidas a esta prática.
No HGO, entre os 10 profissionais pós-graduados em MGF há Enfermeiros que integram também a EPVA e que incluem este tema nas acções de formação que ministram sobre violência interpessoal. Cerca de 50 por cento dos serviços naquele estabelecimento de saúde foram já alvo dessa atenção formativa. O objectivo é dotar os profissionais com conhecimentos que lhes permita detectar os casos de MGF. Conforme explicou Carla Menino, aquilo que à primeira vista parecem ser alterações da anatomia, descobre-se depois que, afinal, são resultado de uma intervenção humana. Há vários tipos de MGF e alguns não são muito evidentes.
A OMS classifica a MGF em 4 tipos: Tipo 1: Clitoridectomia – remoção parcial ou total do clítoris e/ou do prepúcio do clítoris; Tipo 2: Excisão - Remoção parcial ou total do clítoris e dos pequenos lábios, com ou sem excisão dos grandes lábios. Tipo 3: Infibulação - Estreitamento do orifício vaginal através da criação de uma membrana selante, pelo corte e aposição dos pequenos lábios e/ou dos grandes lábios, com ou sem excisão do clítoris. Tipo 4: Todas as outras intervenções nefastas sobre os órgãos genitais femininos por razões não médicas, por exemplo: punção/picar, perfuração, incisão/corte, escarificação e cauterização.
Mas, o empenho pela erradicação da MGF não se fica pelo HGO. Bem pelo contrário. Na verdade, nos ACES é onde tudo acontece. Os casos detectados no HGO são imediatamente comunicados aos ACES, a quem cabe assegurar o contacto directo com as populações. É a partir das unidades de cuidados primários que se conhece o mundo real das pessoas.
Papel dos ACES
Depois de uma manhã no HGO, a falar com a Enfermeira Carla Menino, passamos a tarde no ACES de Almada-Seixal onde decorreu uma reunião do grupo alargado que acompanha os casos de MGF. Os trabalhos foram orientados pela Enfermeira Vânia Teixeira, contando com a presença de um médico, de uma psicóloga, de Carla Menino, em representação do HGO, e de mais 10 Enfermeiros com a mesma formação pós-graduada pertencentes às várias unidades do agrupamento. Neste ACES existem 15 profissionais pós-graduados em MGF, a que se juntam os dez colocados no HGO e que interagem sempre que é necessário. Entre estes 25 profissionais de saúde pós-graduados contam-se 21 Enfermeiros, dois médicos, uma assistente social e uma psicóloga.
Aquela reunião realizou-se no âmbito de um projecto-piloto desenvolvido em cinco agrupamentos da área metropolitana de Lisboa, tendo como lema: “Práticas saudáveis – fim à MGF”. Esta actividade surge enquadrada na “Estratégia Nacional para a Igualdade e Não-Discriminação 2018-2030 – Portugal + Igual” e prevê, também, medidas no âmbito do Plano de Acção para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e à Violência Doméstica 2018-2021.
O encontro visou, entre outros assuntos, preparar o 6 de Fevereiro, Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina. Falou-se dos cartazes espalhados neste dia em Almada e Seixal, sensibilizando as populações para a erradicação desta tradição contranatura e alertando, também, para o facto de estar em causa um crime público, podendo ser denunciado por qualquer pessoa. Trata-se, de facto, de um crime punível com penas de prisão entre 2 a 10 anos, sendo condenadas não só as pessoas que o praticam, mas também os responsáveis pela criança, tenha o acto sido realizado em Portugal ou no estrangeiro. Nos cartazes espalhados por paragens de autocarros e no interior dos próprios autocarros, pelas escolas, esquadras e unidades de saúde, pode ler-se: “Caso tenha conhecimento de uma criança em risco ou submetida a MGF, informe o delegado de saúde da sua área para que a criança e a família sejam informadas e protegidas das consequências desta prática”.
Naquela reunião do grupo alargado do ACES Almada-Seixal, falou-se também da necessidade de aumentar as sessões de formação junto de agentes da autoridade e de professores. Falou-se da necessidade de definir bem a articulação dos profissionais de saúde com as comissões de protecção de crianças e jovens em risco e com o Ministério Público. Falou-se de casos concretos que, por razões óbvias, ficam no segredo profissional. Mas, o que ficou bem claro é que o número de casos conhecidos de MGF, anunciados pela DGS e que a partir de 2013 surgem na Plataforma de Dados da Saúde, ficam muito aquém da realidade.
Ilegais sem registo
Assumiu-se que no ano passado foram detectados 219 casos de mulheres mutiladas entre um total superior a 240 depois de 2013. Porém, naquela Plataforma apenas tem assento quem possui um número do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Ou seja, apenas os imigrantes legais. Os ilegais não têm como ser ali referenciados. Assim, há muitas mulheres mutiladas não registadas, tal como como também há imigrantes portadores de doenças contagiosas, como a tuberculose, cuja existência a DGS oficialmente desconhece. Porque a Plataforma não admite os ilegais. Poderiam eventualmente os ACES criar uma base de dados para quem não tem número do SNS. Mas, isso violaria a lei da protecção de dados.
No decorrer da reunião no ACES Almada-Seixal deu para perceber que os Enfermeiros são os profissionais de saúde que melhor conhecem as populações. Mas, para o dia seguinte já estava agendada outra reunião. Esta com responsáveis autárquicos e com dirigentes associativos envolvidos em projectos de desenvolvimento junto dos imigrantes. São os Enfermeiros a lançar pontes na comunidade para que todos comuniquem em prol de um bem maior. Constatou-se que os Enfermeiros são os engenheiros da Saúde, especialistas em construir pontes no sistema em prol da defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, independentemente da nacionalidade, do género ou da cor.
Amadora
A mesma dinâmica encontramos no Hospital Fernando Fonseca, na Amadora. Ali fomos recebidos pela Enfermeira Débora Almeida, muito jovem mas também pós-graduada em Saúde Sexual e Reprodutiva – MGF. São três as Enfermeiras ali empenhadas em criar pontes com a comunidade e que formam o Grupo Responsável pela Identificação da Mulher com MGF. Os casos detectados são igualmente dados a conhecer à Equipa de Prevenção de Violência no Adulto e, quando a mulher tem filhos, também ao Núcleo Hospitalar de Apoio à Criança e jovem em Risco. A intenção é sempre fazer seguir os casos para os ACES onde acontece o encontro com as comunidades.
Conforme explicou Débora Almeida, dificilmente se encontrará alguém com uma mutilação recente. Geralmente, tal como já tínhamos verificado em Almada-Seixal, os casos são de mulheres já adultas e que sofreram a mutilação quando crianças, tendo, entretanto, migrado para Portugal. A preocupação dos Enfermeiros centra-se, pois, nos filhos.
Assim, a luta em Portugal pela erradicação da MGF tem em vista, sobretudo, salvar as crianças, filhas de imigrantes oriundos de países onde a tradição é aceite e comum. Livrá-las do inferno por que passaram as suas mães.
Na zona da Amadora foram registadas 101 mulheres com MGF, das quais 57 com recém-nascidos do sexo feminino. Para Débora Almeida, trata-se de crianças em risco. Risco avaliado de grau elevado sobretudo quando as mulheres aceitam a MGF como tradição socialmente inclusiva, como uma espécie de ritual iniciático para acolhimento na comunidade. Mais se eleva quando o marido dessa mulher tem outras mulheres, seguindo a tradição do país de origem, e considera socialmente aberrante recusar a MGF. São estas mulheres que os Enfermeiros nos ACES seguem de perto para evitar que aconteça o mal maior aos filhos. Trabalho que é realizado também com apoio de instituições locais, como é o caso da Associação de Intervenção Comunitária, Desenvolvimento Social e de Saúde (AJPAS).
A questão dos migrantes ilegais também se verifica na Amadora, sem possibilidade de serem registados na Plataforma de Dados da Saúde. Por isso, é impossível saber ao certo quantas mulheres mutiladas residem neste momento em Portugal.
As situações são detectadas de várias formas. Geralmente por uma consulta urgente no Hospital a que as mulheres recorrem pelas mais variadas razões. De todos os modos, segundo Débora Almeida, seria necessário uma maior sensibilização junto dos profissionais de saúde, sobretudo dos médicos, para dedicarem uma maior atenção aos sinais indiciadores da mutilação genital. De facto, é ainda pouca a preocupação de olhar a genitália e registar essa observação. Mesmo olhando, não é fácil perceber. “O olho tem de ser treinado”, explicou a Enfermeira. Daí a importância das pós-graduações ministradas no IPS e na ESEL, e das acções de formação que os Enfermeiros pós-graduados vão facultando nas suas unidades de saúde e junto de polícias e professores.
Alguns casos têm sido detectados também na Consulta do Viajante. Os pais surgem com os filhos para serem vacinados e informam que pretendem visitar familiares nas suas terras natal. Os Enfermeiros percebem que os pais se preparam para levar as filhas para países onde a MGF é aceite e muito comum.
Aquelas crianças, aos olhos dos Enfermeiros, correm um enorme risco de regressarem mutiladas. Os questionários são então muito apertados, tentando perceber o que pensam os pais sobre a MGF, sobretudo os homens.
Na realidade, a MGF é uma tradição querida sobretudo pelos homens. Pretendem mais prazer sexual, tirando todo o prazer à mulher. É uma prática que humilha, afirmando a superioridade masculina. Sobram para elas as consequências que eles ignoram, ou não querem saber: A curto prazo pode ser fonte de dor intensa, sangramento excessivo, choque séptico e dificuldades na eliminação de urina ou fezes. Existe ainda o risco imediato de contrair infecções como hepatites e VIH/SIDA. Pode ainda causar a morte por infecções diversas como o tétano ou septicemia. A longo prazo pode causar dor crónica, infecções recorrentes do trato urinário e do aparelho reprodutivo e ainda a formação de abcessos e quistos dolorosos. Aumenta a vulnerabilidade a infecções como o VIH/SIDA, aumenta o risco de complicações no parto e pode causar infertilidade.
Pais avisados
Os Enfermeiros alertam os progenitores para o facto de as crianças no regresso poderem ser observadas e de arriscarem ser presos no caso de terem sido mutiladas. Geralmente, os pais juram a pés juntos que são contra a MGF. Mas os Enfermeiros sabem que a cultura forma a mente, sendo difícil convencer as pessoas a ignorarem as ligações às raízes da identidade. Por isso, já algumas vezes solicitaram a intervenção do Ministério Público para se ponderar a hipótese de o visto de saída ser recusado a algumas crianças. Também já sucedeu ser uma recém-nascida retirada aos pais por haver indícios de poder vir a ser mutilada. Este caso registou-se a 11 de Março do ano passado, no HGO. A mãe da bebé disse aos Enfermeiros que dentro de seis meses iria à Guiné Bissau e então aproveitaria para submeter as filhas à prática de MGF, frisando que esta era a “regra” da família e que tinha que obedecer à mesma, segundo se lê no despacho do Tribunal do Seixal do processo de Promoção e Protecção. Dado o alerta, o tribunal decidiu retirar a bebé aos pais, assim como uma outra filha do casal com um ano e meio. As crianças foram institucionalizadas.
O Enfermeiros estão muito sensibilizados para estas situações e conseguem referenciar casos de risco. Graças a essa sensibilidade, provavelmente já várias crianças residentes em Portugal se livraram da mutilação. É impossível ter uma noção dos casos de sucesso porque os pais não falam sobre o assunto.
A MGF é uma tradição sem raízes em doutrinas religiosas, inexistindo qualquer referência em livros sagrados: nem na Bíblia, nem no Alcorão, embora a prática seja mais comum em países de cultura islâmica. Alimentando-se a identidade cultural sobretudo da história religiosa de um povo, conclui-se que a MGF é uma tradição que nada tem a ver com a cultura. Como tal, pode e deve ser eliminada.
Trabalho na Guiné
Neste sentido, também o problema pode e deve ser “atacado” na sua origem. Por isso, fomos falar com a antropóloga Alice Frade, presidente da Associação P&D Factor. Desde o ano 2000 que Alice Frade luta pela erradicação da MGF, e desde 2017 que, através da sua associação, mantém projectos de desenvolvimento pessoal e social na Guiné-Bissau, designadamente acções de sensibilização junto das populações para erradicar aquela tradição.
O trabalho começa pela formação de agentes no seio da própria comunidade guineense, sendo depois estes a sair ao encontro das pessoas nos seus bairros. Estes projectos são apoiados pelo Estado Português e algumas das sessões de sensibilização contaram com a presença de governantes portugueses e de algumas figuras públicas, como, por exemplo, Catarina Furtado.
Questionada sobre se esse trabalho não deveria ser antes realizado aqui, em Portugal, Alice Frade explicou que as tradições são mantidas pelos países que as geram. “Quem as pratica tem presente, sobretudo, o sentido de pertença à sua comunidade”, explicou. A MGF, no fundo, acrescentou a antropóloga, é um gesto de identidade e de integração. Assim, segundo as suas palavras, têm de ser os de lá a dizer aos de cá que a identidade cultural deixou de incluir ritos iniciáticos violadores da dignidade humana. Cabe aos autóctones mudar as suas tradições. Se a MGF for abandonada nos países de origem, também deixará de existir no resto do mundo porque os migrantes deslocam-se à terra natal para a realizarem. E se se deslocam é porque recusam perder o seu sentido de pertença, que é o que lhes proporciona identidade nacional. O tema é, pois, muito complexo. “A aposta tem de ser na prevenção”, sublinhou Alice Frade, defendendo que a MGF deve ser abordada no contexto das várias violências sobre as mulheres, até ao ponto de se consciencializarem e assimilarem que ninguém pode ter poder sobre o corpo que é delas.
A Associação P&D Factor já conseguiu, num bairro da Guiné, reunir um grupo ex-fanatecas. Um grande feito, tendo em conta que essas mulheres representam uma tradição ancestral com muita influência nas famílias. A maior dificuldade para a Associação é conseguir reunir as mulheres, pois elas estão sempre a trabalhar, ao passo que os homens são fáceis de encontrar à sombra de uma árvore a falarem da vida. Elas têm de lavrar a terra, colher os alimentos, tratar da casa e dos filhos. Eles tratam dos negócios e falam entre si. De todos os modos, a Associação tem conseguido juntar muitas mulheres e desenvolver junto delas um trabalho de consciencialização muito forte, no terreno, na origem do problema. Alice Frade está confiante de que todo este trabalho terá repercussões em Portugal e em muitas outras partes do mundo onde haja migrantes oriundos da Guiné-Bissau.
A efeméride
A SRSul decidiu assinalar este dia para agradecer e homenagear os Enfermeiros, realçando o papel que têm tido na prevenção da MGF em Portugal. Marco Job Batista, presidente do Conselho de Enfermagem Regional, explicou: “ A MGF é ainda uma realidade encontrada em Portugal, pelo que a SRSul da Ordem dos Enfermeiros destaca, hoje, o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina. Para isso, fomos junto dos Enfermeiros saber da existência de projectos em torno da temática, em algumas instituições de saúde”.
O presidente da SRSul, Enfermeiro Sérgio Branco, destaca importância do trabalho dos Enfermeiros na promoção e defesa dos direitos humanos. Recordou, a propósito, o facto de Portugal ter ratificado a Convenção de Istambul, de 2013, onde, no artigo 38º, se prevê que “as Partes deverão adoptar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para assegurar a criminalização da conduta de quem intencionalmente: a) Praticar a excisão, infibulação ou qualquer outra mutilação total ou parcial da labia majora, da labia minora ou do clitóris de uma mulher; b) Constranger ou criar as condições para que uma mulher se submeta a qualquer um dos actos enumerados na alínea a); c) Incitar, constranger ou criar as condições para que uma rapariga se submeta a qualquer um dos actos enumerados na alínea a)”. Além de se tratar de um crime previsto no código penal português (Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto).
Para Sérgio Branco, ao assinalar esta efeméride, a SRSul está a lançar o desafio aos Enfermeiros para que se mantenham na linha da frente na defesa da dignidade humana. “É o que sempre têm feito”, sublinhou. E, neste caso concreto, em defesa de todas as crianças oriundas de países onde se pratica a MGF. “Para que mais nenhuma criança seja submetida a tal sofrimento”, apelou.