Ordem visitou enfermeiros no distrito de Évora

  • 13-04-2023

O distrito de Évora recebeu esta terça e quarta-feira o início da Enfermagem@Sul. As equipas da Secção Regional do Sul (SRSul) da Ordem dos Enfermeiros visitaram os colegas de diversas unidades de saúde, ouviram as preocupações e fizeram um levantamento de anomalias que, por vezes, chegam a colocar em causa alguns dos pressupostos legais que deveriam ser respeitados.

 

Miguel Correia, presidente do Conselho Jurisdicional da SRSul, destacou a resiliência e persistência dos enfermeiros, apesar dos difíceis contextos que enfrentam. "Encontrámos um corpo de enfermagem a querer mais e melhor", frisa.

Foram dois dias intensos de visitas. As equipas andaram pelo Hospital de Évora, Centros de Saúde de Estremoz, Redondo, Vila Viçosa, Alandroal, Arraiolos, Borba, Montemor-o-Novo, Mora, Vendas Novas, e Cuidados de Saúde Primários de Portel, Viana do Alentejo, Reguengos de Monsaraz.

"Esta região tem alguma proximidade à capital, mas parece estar muito longe dos padrões normais de todos os ditames e orientações do próprio Ministério da Saúde. Claramente quem dirige estas instituições, seja a nível central - a Administração Regional de Saúde - quer seja a nível local, das próprias administrações hospitalares, parece que não tem ferramentas para ajudar a uma melhor prestação de cuidados. Têm vindo a ser paulatinamente ajudados/substituídos pelas autarquias, que começam e bem a ajudar e a colocar recursos onde eles não existem", afirma Miguel Correia.

O enfermeiro refere que há uma falta notória de profissionais de saúde na principal linha de acesso aos Cuidados de Saúde Primários, designadamente de enfermeiros, de médicos, de psicólogos e de outros técnicos, que são compartilhados por diferentes respostas. Ou seja, há casos de profissionais não enfermeiros, como por exemplo os psicólogos, que fazem umas horas numa unidade, depois deslocam-se vários quilómetros para fazer umas horas noutra. "Isto não responde à necessidade das populações", considera.

De entre as situações mais preocupantes destaca-se a de Viana do Alentejo onde há apenas seis enfermeiros e encontra-se sem assistentes operacionais porque a única que ali trabalhava adoeceu há um ano e não foi substituída. Também não há psicólogo, assistente social e funciona só com um assistente administrativo. "Os enfermeiros acabam por ser tudo. Isto consome horas que podiam estar a ser dispensadas em cuidados e em planeamentos, em programas destinados a situações promotoras de saúde e não... Estão ocupados a fazer o trabalho de outros", diz.

Segundo Miguel Correia, "os enfermeiros são resistentes e resilientes, mas esta é uma situação que lhes causa além de frustração, um bloqueio brutal àquilo que são as suas competências porque não conseguem fazer aquilo para que foram contratados."

Falta de enquadramento jurídico em Vendas Novas e Montemor-o-Novo

Dois dos casos que muito preocupam são os de Vendas Novas e de Montemor-o-Novo. "Não estão em sintonia com o enquadramento jurídico daquilo que é a rede de acesso a cuidados urgentes e emergentes. As populações não têm uma resposta efectiva àquilo que são as suas necessidades", ressalva Miguel Correia.

Em Vendas Novas há um Serviço de Atendimento Permanente, algo que foi descontinuado no início do século e substituído pelo Serviço de Urgência. Ali trabalham dois enfermeiros e dois médicos, mas não há serviço de imagiologia, nem podem fazer análises. "Questiono: qual é a resposta que esta equipa dá? Serve de referenciação para a Urgência de Évora. Se eles pudessem ali resolver casos urgentes com a ajuda da imagiologia e da capacidade analítica, com certeza que poupariam muitas idas a Évora. Eles não são um Serviço de Urgência Básico (SUB). Continuam neste modelo antigo, algo datado, que não se percebe bem o que é."

Miguel Correia garante que se está perante uma falha nos pressupostos legais de constituição, funcionamento e organização de um SUB, designadamente na triagem de Manchester. "Não têm formação adequada a essa própria realidade dos Serviços de Urgência, obrigatória para os enfermeiros nesse caso em particular. Logo aqui, têm uma resposta que, existindo para a população, não se percebe bem o que é dentro do enquadramento jurídico. É algo à margem."

Já em Montemor-o-Novo existe um SUB dentro do previsto pela legislação e pelo Governo de Portugal, mas, "em rigor, no seu funcionamento, ainda apresenta questões. Nomeadamente, não têm triagem, sendo que a triagem de Manchester é obrigatória nos SUB. Não têm esse posto de trabalho."

Sem esta triagem, não é possível determinar desde logo os casos com maior prioridade. Muitas vezes a resposta acaba por ser uma transferência para Évora. E aqui surge outra questão preocupante. "Não têm capacidade, porque só são dois enfermeiros. Quando sai um, fica o outro sozinho para a população, que pode ser muita ou pouca... Num serviço de urgência é algo imprevisível. Nunca sabemos", realça Miguel Correia.

"Nesse sentido, não só a capacidade de recursos físicos e tecnológicos está diminuída e desorganizada, como nas transferências eles ficam sozinhos com o que houver para fazer ali", acrescenta.

Outro pressuposto que não é cumprido neste SUB é a ausência de uma ambulância do INEM de Suporte de Imediato de Vida (SIV), tripulada por um enfermeiro e por um técnico de emergência pré-hospitalar: "Em Vendas Novas isso não se põe porque não é um SUB, nem se percebe o que é e não existe uma ambulância SIV. No entanto, em Montemor-o-Novo é gritante porque a legislação obriga que todos os SUB tenham uma ambulância SIV que este não tem... E ainda são 45 minutos até Évora."

Balanço deste arranque da iniciativa

Em jeito de balanço dos primeiros dois dias de Enfermagem@Sul, Miguel Correia diz existir "uma desconsideração óbvia por aquilo que são as necessidades das pessoas", pois "os direitos e interesses legalmente previstos e constituídos no enquadramento jurídico que temos, não estão devidamente acautelados, ou nem sequer estão acautelados, não foram previstos, nem têm concretização prática no quotidiano, que deveriam ter."

O presidente do Conselho Jurisdicional da SRSul salienta ainda os problemas na organização, liderança e planeamento da própria profissão, isto é, serviços que estão, na maior parte das vezes, a ser assumidos por enfermeiros: "O órgão de gestão anda a nomear dentro destes prestadores de cuidados, alguém que dê uma mãozinha nisso. O problema é que já não têm tempo para prestar cuidados conforme querem e desejam, conforme as regras mandam."

E acrescenta: "Se algo que a covid nos trouxe, foi a necessidade de ter estes recursos e de a pensar como é que essa resposta se efectiva, o que podemos esperar, que objectivo temos de cumprir, qual é a nossa missão e se ela se dá a efectivar no dia-a-dia. Não havendo, há uma área grande de planeamento, de liderança e de gestão prática do dia-a-dia que não está acautelada. Não o estando, fica diminuída na sua dignidade porque está entregue a quem não tem competências e a quem não tem estatuto legal para o ter. Não só é uma estratégia economicista porque não se paga a um gestor de enfermagem, como não permite que haja planeamento."

Só existem seis gestores em 14 unidades de saúde no distrito de Évora. Os enfermeiros defendem que se tivessem esse pano de fundo organizado, a preocupação seria prestar cuidados de saúde. "Falta todo um substrato de gestão de apoio e administrativos, assistentes operacionais e de outros profissionais de saúde que não lhes permite fazer o que melhor sabem e querem", reforça Miguel Correia.

Este foram os primeiros dias da Enfermagem@Sul promovida pela SRSul e não há melhor sítio para estar senão ao lado de todos os enfermeiros que se erguem na defesa da dignidade da nossa profissão e dos interesses das pessoas de quem cuidam.