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05-08-2019
Urgente humanizar a saúde no Alentejo….
A Ordem dos Enfermeiros (OE), através da sua Secção Regional Sul (SRSul), presidida pelo Enfermeiro Sérgio Branco, percorreu todo o distrito de Portalegre, de lés-a-lés. Durante quatro dias foram visitados 24 locais onde enfermeiros prestam cuidados de saúde, incluindo os hospitais de Portalegre e de Elvas, e a Escola Superior de Saúde.
É o culminar da iniciativa denominada Enfermagem@Sul. De 30 de Julho a 2 de Agosto tudo se fez para estar perto dos Enfermeiros, mesmo dos que trabalham nos lugares mais recônditos, e conhecer as condições em que exercem os actos de cuidar… Estando no distrito de Portalegre, a Ordem pretendeu também sentir a interioridade da saúde… e quer agora mostrar esse lado onde cuidadores esquecidos cuidam de pessoas esquecidas…. A radiografia interior que revelamos é, digamos, tridimensional…
A visita às unidades de saúde foi realizada por uma equipa de dirigentes e peritos, divida em vários grupos.
Em registo de balanço, e sendo os enfermeiros o pilar do sistema de saúde, e tendo nós falado com a maioria em todo o distrito, no Alentejo profundo, chegou-se ao fim da jornada com o sentimento de que é preciso apelar, urgentemente, à humanização da saúde…
É urgente humanizar a saúde no Alentejo, tendo em vista a realidade das pessoas…
...porque, depois de termos observado, concluímos que o sistema foi pensado para funcionar, só para funcionar, assente na sua própria organização, na eficácia e rentabilidade, e não em função das pessoas concretas que são a sua razão de ser…
É preciso humanizar a saúde, pondo as pessoas – as pessoas concretas – no centro do sistema.
Por isso, entendemos que:
1 - O bloco de partos do hospital de Portalegre deve ser encerrado se mantiver o número de enfermeiros. Faltam pelo menos 10: seis no bloco de partos e quatro na urgência. As condições deste serviço não garantem a segurança dos cuidados. O risco é grande para os bebés, para as mães e para os enfermeiros. Humanize-se este serviço… Ou então encerre-se…
2 - Durante estes dias conhecemos a interioridade do país. Conhecemos o sistema de saúde nessa interioridade, e verificamos que a população situa-se numa faixa etária avançada. Os utentes são na sua maioria idosos.
Mas, também nos apercebemos que a organização do sistema está direcionada para a população em geral, sem que sobressaia a especificidade etária da população que serve.
Daí que não nos tenha surpreendido ver encerradas a maioria das extensões dos centros de saúde, abrindo apenas algumas horas por semana quase só para vacinas agendadas… O enfermeiro só lá vai por marcação…
Isto acontece porque o sistema está centrado na doença, preparado para reagir aos quadros de crise e, como tal, apenas preocupado com o funcionamento da estrutura.
A humanização do sistema exige que as respostas visem, sobretudo, a promoção da saúde. Esta orientação obriga a repensar a organização dos cuidados de saúde primários para que possam responder às necessidades dos cidadãos, de acordo com a sua realidade social, etária e geográfica.
Neste sentido, entendemos que não faz sentido manter as extensões praticamente encerradas obrigando os idosos a percorrerem dezenas de quilómetros em caso de emergência, em que por vezes estão em causa quadros de enfermidade muito simples.
Um enfermeiro na comunidade, a tempo inteiro nessas extensões, resolveria a maior parte das situações que neste momento não só obrigam as pessoas as deslocarem-se dezenas de quilómetros - em viaturas próprias, dos bombeiros, do INEM ou dos próprios serviços de urgência como são as SIV -, como concorrem para o entupimento das urgências hospitalares…
Um enfermeiro na comunidade, envolvido com as pessoas que conhece, é um promotor de saúde… conhece os idosos, conhece os jovens, interage, acompanha-os e elabora com eles projectos de vida saudáveis…
3 - Além de estarem a maior tempo encerradas, a maioria das extensões dos centros de saúde não tem sequer meios para atender a situações de emergência simples. Ali não há desfibrilhadores, nem sequer computadores operacionais que permitam registar os actos de enfermagem realizados… Mas, também em vários centros de saúde, de quem as extensões dependem, não existem desfibrilhadores, ou até mesmo um oxímetro, e até vimos medidores de pressão arterial avariados… Vimos também vacinas serem conservadas em frigoríficos domésticos…
4 – O hospital S. Luzia em Elvas necessita de reformular o serviço de urgência. É uma questão de humanização da saúde e de respeito pelas pessoas. O que lá existe é um Serviço de Urgência Básica (SUB) onde os doentes são atendidos e aguardam seguimento num corredor. As informações de diagnóstico transmitidas aos doentes são facilmente percebidas em redor, sendo os direitos à privacidade e reserva facilmente atropelados. O Serviço de Observação (SO) tem capacidade para quatro camas, teoricamente, mas vão-se acumulando os doentes conforme o movimento. Quando o diagnóstico impõe cuidados diferenciados, a pessoa é transferida para Portalegre, ou Évora ou Lisboa, para, depois, se for o caso, regressar ao Hospital de Elvas para internamento. Tudo isto com um número de enfermeiros muito condicionado que torna o trabalho diário muito mais penoso. Aquele SUB é, no entanto, essencial à população…
5 – A humanização da saúde passa também pelo bom aproveitamento dos recursos que o Sistema Nacional de Saúde (SNS) disponibiliza. No Alto Alentejo verifica-se que todos centros de saúde têm respostas disponíveis para cuidados continuados integrados no domicílio dos doentes. Mas, existem muitas vagas desocupadas. Em contrapartida, os lares para acolher pessoas idosas, geridos por entidades particulares de solidariedade social, estão a abarrotar e a cobrar preços elevados de mercado. Muitas dessas entidades nem sequer asseguram com meios próprios os cuidados de enfermagem. Os enfermeiros que lá se deslocam pertencem ao centro de saúde sem nada cobrarem pelo seu trabalho. E fazem-no porque a isso são obrigados. Mas, a lei prevê que as entidades privadas assegurem esses cuidados. Contudo, a maioria não contrata enfermeiros, servindo-se antes, sem qualquer encargo, nem escrúpulo, dos que são remunerados pelo SNS… As que contratam, raramente o fazem respeitando as dotações seguras (1 para 40 utentes, ou 1 para 20 quando são dependentes). Por vezes até cobram dez euros aos utentes por os transportar ao centro de saúde quando surge uma emergência. A humanização da saúde, neste caso, passa pelo maior aproveitamento dos cuidados continuados integrados oferecidos pela comunidade. Se um idoso pode ser cuidado em casa porque há de ir para um lar? Os cuidados continuados integrados estão quase vazios, mas os lares privados estão cheios…
6 – É preciso humanizar a saúde no hospital Dr José Maria Grande, em Portalegre, e no Hospital de S. Luzia, em Elvas. Os serviços, quase todos, trabalham no limite, ao nível dos serviços mínimos em greves, mas sem greve. Acresce a desmotivação dos Enfermeiros porque se sentem cansados…. A humanização deste hospital passa também por assegurar os meios que permitam a segurança dos cuidados. Por exemplo, há aparelhos de monitorização avariados. Se surgem dois doentes para serem monitorizados, por vezes é necessário excluir um, pondo em risco a vida do outro. É o enfermeiro quem decide…
Há também doentes com necessidades de medidas de isolamento para prevenir contágios… mas esses isolamentos nem sempre são garantidos devido às más condições das instalações… Há ainda problemas com a manutenção dos materiais, parecendo que ninguém é alertado quando se prolonga no tempo a avaria de uma lâmpada, de uma fechadura ou de uma cama.
No hospital de Santa Luzia o número de enfermeiros também se apresenta no limite, exigindo a realização de horas extraordinárias e uma permanente tensão no cuidar. Ninguém tem tempo para respirar. Um dos serviços deveria encerrar pelo menos dez camas para que fosse respeitado o racio enfermeiro/doente. Mas, nunca se encerram camas por falta de enfermeiros. Eles desdobram-se no trabalho. Mas, já se encerraram por falta de médicos.
7 - Portalegre conta 860 enfermeiros para uma população de 118 500 habitantes distribuída por 15 municípios. Em média, a região conta sete Enfermeiros por mil habitantes, média abaixo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) que ronda os 9,3/1000 habitantes. Nesta média do Alto Alentejo incluem-se as unidades de saúde privadas e os que não estão afectos à prestação de cuidados, pelo que a média no Serviço Nacional de Saúde desce para os 5 Enfermeiros por mil habitantes. A nível de rácio, a Enfermagem em Portugal permanece na cauda da Europa.
8 – Nestes quatro dias foi possível verificar a entrega dos Enfermeiros à sua missão de cuidar. Todos trabalham em esforço, carregados de hora extraordinárias, mas, mesmo assim, tudo fazem para que ninguém fique sozinho. Uma saudação muito especial a todos que, com o seu exemplo, dignificam a Enfermagem….