Enfermeiros Anti-Vício

  • 29-05-2020

Helena fumou durante 25 anos. Começou aos 15. Aos 40, depois de uns exames, foi aconselhada a ir uma consulta de cessação tabágica no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures. Helena é um caso de sucesso. Deixou de fumar sem necessidade de fármacos. A sua sorte, diz, foi ter encontrado na primeira consulta uma Enfermeira que se interessa pelas pessoas. “Num processo de tratamento em que a força de vontade é o principal ‘fármaco’, ter alguém que nos incentiva e acredita em nós faz toda a diferença”, confessa.

 

Sofia Costa é uma das Enfermeiras que no Hospital Beatriz Ângelo atende na consulta de cessação tabágica todos os que desejam sair da dependência. Está nesse serviço há dois anos.

A primeira consulta é sempre com o Enfermeiro. “Após alguns minutos de conversa, a pessoa vai percebendo que não se trata de um acto mágico em que se cura um vício com a ajuda de um fármaco prescrito pelo médico”, conta.

 

A própria pessoa, naquela primeira consulta, vai percebendo o seu grau de motivação, o seu grau de auto-confiança, a sua entrega à causa. “E logo percebemos se vai levar a questão a sério, ou se chegou ali só porque alguém a encaminhou”.

 

E também descobre que vai precisar de ajuda. É aqui que o papel do Enfermeiro se revela distinto. Segundo Sofia Costa, a empatia é fundamental. “A pessoa tem de sentir que alguém a vai ajudar…”.

 

Em 2019 foram realizadas 757 consultas. Nalguns meses ultrapassaram-se as 80 consultas por mês.

 

Em Janeiro há sempre mais procura. É um desafio para muita gente entrar no ano novo livre de tabaco.

Claro que há doentes que aparecem uma única vez. Querem perceber como tudo está pensado e organizado. Pretendem também uma percepção do sucesso ou do fracasso perante aquele grande desafio. Depois, ou desistem ou seguem o tratamento. Os menos optimistas resignam-se à redução. Outros apostam em deixar definitivamente o tabaco. Mas, é sempre uma incógnita. Os Enfermeiros nunca sabem como vai cada um terminar.  

 

A intensidade desta experiência, num contexto diferente, é também vivida por Rosário Ramalho no Centro de Respostas Integradas (CRI) do Alentejo Central, onde trabalha desde 2002.  “Neste tipo de patologia é importante mostrar disponibilidade”, disse a Enfermeira que antes tinha estado no Serviço de Neonatologia do Hospital de Évora, cidade onde se formou em Enfermagem.

 

É um serviço diferente. Tem uma dinâmica diferente. É primordial a confiança no Enfermeiro, conta, sublinhando: “Os índices de sucesso são maiores quando há empatia. A pessoa sabe que pode contar com a ajuda do Enfermeiro”.

 

Naquele CRI tratam-se outras dependências, como sexo, jogo, álcool e drogas. E em todas estas patologias a confiança no Enfermeiro é fundamental. Não só porque é ele quem recebe o doente na primeira consulta, como também assegura o seguimento.

 

“Os Enfermeiros têm de estar disponíveis para falar ao telefone, dar um conselho, transmitir uma motivação que ajude a ultrapassar aquele momento em que apetece desalmadamente um cigarro, por uma razão qualquer: ou porque vai ter uma reunião importante, um exame, ou um encontro há muito desejado. Neste tipo de patologia é importante mostrar disponibilidade, sublinha.”

 

Naquele serviço, em 2019, foram realizadas 542 consultas, seguindo 170 utentes. 

 

Na primeira abordagem, os Enfermeiros tentam perceber o grau de motivação da pessoa. O que exactamente a motivou a estar ali, e quais as expectativas. É feito o levantamento de todos os pormenores: o peso, a altura, o historial clínico, os hábitos de vida, os hábitos alimentares, a situação familiar e laboral… tudo tem importância. Um indivíduo sujeito a muitos momentos de stress terá maiores dificuldades em esquecer o cigarro!

 

Surgem ali homens e mulheres, mais e novos e mais velhos, ou porque estão “fartos” de fumar, ou porque “apanharam um susto de saúde”. Mas, seja qual for o motivo, a Enfermeira Rosário Ramalho tem uma certeza: “80% do sucesso está relacionada com a parte motivacional – o que leva a pessoa a querer deixar de fumar e os ganhos para a vida que trará essa sua conquista.” E sublinha: “a relação terapêutica com o Enfermeiro é fundamental para o sucesso do tratamento”.

 

A mesma sensibilidade profissional demonstra a Enfermeira Carla Costa que começa por recordar que o “tabagismo é uma doença”. Enfermeira há 21 anos, trabalha actualmente no Centro Hospitalar de Setúbal, na consulta de cessação tabágica da unidade de ambulatório de pneumologia. “Na primeira parte da primeira consulta tudo pode acontecer”, diz a Enfermeira formada na Escola Superior de Enfermagem de Beja.

 

“Fazem-se muitas perguntas para estabelecer um plano com vista à mudança de comportamento. O nosso objectivo é ajudar o doente a ter auto-controlo e a optar por medidas não farmacológicas”, explica.

 

Mas, tudo depende da força de vontade de cada um. E uns vão-se mais abaixo do que outros. Por isso, assegura a Enfermeira, se a pessoa falta à consulta telefona-se para perceber o que se passa. Nunca se abandona o doente. Ou, nunca se deixa ninguém sozinho!

 

Mesmo nas consultas de seguimento, o doente passa sempre pela Enfermeira: ver o peso, dar conselhos sobre regime alimentar – porque existe o preconceito de que deixar de fumar engorda - medir o monóxido de carbono no ar expirado para se perceber se abrandou o número de cigarros fumados etc, etc. Analisa-se o plano e vê-se o que melhorou a nível comportamental. “Vejo logo se a pessoa está motivada, ou se estava e já não está… e se já não estiver também estou lá para não a deixar ir abaixo.” Segundo a Enfermeira, o importante é ajudar a pessoa a mudar comportamentos, fazendo-a sentir que “a vontade de deixar de fumar tem de ser superior à vontade de fumar”.

 

A conversa com estas três Enfermeiras tem como objectivo, sobretudo, homenagear todos os Enfermeiros que com a sua arte de cuidar ajudam as pessoas a serem mais livres e mais saudáveis, muitas vezes sem o recurso a fármacos. Quase só à base da força de vontade, da motivação. Esta será, porventura, uma das áreas em que a empatia assume um papel muito peculiar no sucesso terapêutico. Todas estas Enfermeiras andam com um telemóvel de serviço para estarem sempre presentes e nunca deixarem ninguém “ir-se abaixo…”.

 

O Conselho de Enfermagem Regional do Sul, presidido pelo Enfermeiro Marco Job Batista, afirma:

“No dia 31 de Maio, a Organização Mundial de Saúde realça o Dia Mundial Sem Tabaco e neste Ano Internacional do Enfermeiro, o Conselho de Enfermagem Regional do Sul pretendeu mostrar as intervenções dos Enfermeiros nas consultas de cessação tabágica. Todos sabemos que os Enfermeiros têm um papel fundamental na prevenção e no tratamento das pessoas dependentes do tabaco, como ficou demonstrado no relato das experiências dos vários colegas.”

 

O presidente da SRSul, Enfermeiro Sérgio Branco, destaca, sobretudo, a disponibilidade, a proximidade, a preocupação com que estes Enfermeiros trabalham no seu dia-a-dia. São Enfermeiros que incutem no outro a força de vontade, a resiliência, a esperança de mais saúde e o desejo de libertação. Por isso, diz o Presidente, faz todo o sentido, neste dia, homenagear os Enfermeiros que, com a sua entrega, dignificam a Pessoa e a Enfermagem.  

 

SAIBA MAIS

Vendas de fármacos para deixar de fumar subiram 11%

Consumo de tabaco baixa entre os jovens

Cigarros electrónicos ganham terreno