Pela dignidade da vida

  • 30-09-2020

Dia 1 de Outubro assinala-se o Dia Internacional da Pessoa Idosa. Em 2050, prevê-se que um em cada três residentes em Portugal seja idoso. Isto fará com que o País ocupe o terceiro lugar com a população mais envelhecida do mundo, a seguir ao Japão e à Espanha. Os Enfermeiros são desafiados a apoiar todo o processo de envelhecimento, especificamente na promoção de acções que valorizem este ciclo da vida, defendendo a dignidade das pessoas

 

“Enganam-se os que pensam que só nascemos uma vez. Para quem quiser ver, a vida está cheia de nascimentos.”

 

A expressão é de Tolentino Mendonça e parece um contrassenso quando falamos de pessoas idosas, neste dia internacional a elas dedicado. Mas não é. “A vida está cheia de nascimentos”. Ser mais velho é viver o tempo. “Ser mais velho é nascer outra vez, não parar de nascer”. Infelizmente, a sociedade utilitarista em que vivemos não o permite. É a “cultura do descarte”.

 

Estes tempos alertam-nos para o facto de termos de reflectir seriamente sobre as condições de vida e de participação dos mais velhos. Sobre o que é ser “mais velho”. Os velhos não são para “deitar fora” porque já não são úteis na denominada vida activa.

 

Será que os honramos remetendo-os a depósitos onde não há convivência entre gerações, onde deixam de poder ser activos, meros “utentes” de instituições? Será que os honramos colocando-os num grupo artificialmente homogéneo dos que “chegaram ao fim da vida” e já não têm forma de participar e contribuir para o bem estar da sociedade a que pertencem? 

 

A qualidade de uma sociedade também se avalia pelo modo como trata os idosos e pelo lugar que lhes reserva na comunidade. É verdade, a atenção aos idosos distingue uma civilização. Uma civilização só prosperará se souber respeitar a sabedoria, a experiência dos mais velhos. Numa sociedade em que não há espaço para os idosos ou onde eles são “armazenados”, porque são considerados um estorvo, tal sociedade comporta em si o vírus da desumanização.

 

Os Enfermeiros estão, naturalmente, muito sensibilizados para esta realidade. Os Enfermeiros estão em todas as linhas da frente e são os primeiros a detectar o sofrimento e o abandono. Estão, por isso, muito preocupados.

 

É o caso de Marta Assunção, Enfermeira que tem desenvolvido alguns estudos na área da gerontologia, quer ao nível do Mestrado, na Universidade do Algarve, quer actualmente com o doutoramento na Universidade Católica Portuguesa, enriquecida pela sua experiência inter-cultural, designadamente nos últimos seis anos como formadora em Angola.

 

“O desafio que se impõe neste momento será oferecer às pessoas idosas uma melhor qualidade de vida através de serviços de saúde adequados, do ajuste das condições socio-económicas e da promoção de comportamentos de vida saudáveis”, diz a Enfermeira.

 

Marta Assunção recorda que permanece em vigor a chamada "Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável" relativa ao período 2017-2025 - alinhada com o “Plano Nacional de Saúde” e com a “Estratégia e Plano de Ação Global para o Envelhecimento Saudável”, da Organização Mundial da Saúde. Estas medidas apontam, explicou, para que tenhamos “uma sociedade cujo processo de envelhecimento, ao longo do ciclo de vida, confira elevados níveis de saúde, bem-estar, qualidade de vida e realização pessoal a todos os idosos”. “A ideia é que usufruam de um envelhecimento activo, digno e saudável”, sublinhou.

 

Mas, Marta Assunção chama também à atenção para a necessidade de se adaptar o Serviço Nacional de Saúde à pessoa idosa. “Terão de se desenvolver novas valências, nomeadamente na assistência ao domicílio e à distância (a tele-saúde), havendo, para o efeito, profissionais treinados para dar a resposta adequada não só a eles, idosos, mas também às famílias e aos cuidadores”, esclareceu.

 

Mas, focarmo-nos apenas nas estratégias governamentais seria insuficiente. A Enfermeira é de opinião que nos devemos questionar também sobre o que cada um, por si, pode fazer. E adianta: “O maior desafio, para cada um, consiste em promover uma cultura de valorização da pessoa idosa, em casa, nos diálogos no Café, na educação dos filhos, no contacto inter-geracional, na abordagem diária à pessoa idosa”. Tudo o que possa fomentar a autonomia, o respeito e a dignidade da pessoa, garantindo-lhe, por exemplo, que nunca lhe será retirado o direito a tomar decisões. E acrescenta: “Temos de ter sempre presente que os jovens e os adultos de hoje serão os idosos de amanhã”. Ou seja, os jovens, hoje, devem tratar os idosos da mesma forma que gostariam de ser tratados. Isto passa, obviamente, pela promoção de uma cultura de valorização da pessoa idosa.

 

Um outro olhar sobre esta realidade é nos oferecido pela Enfermeira Vanda Veiga, que integra a equipa da SRSul promotora das visitas às Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), ajudando as entidades a melhorar a qualidade dos seus serviços de acolhimento.

 

Vanda Veiga começa por destacar a importância de a humanidade assinalar hoje o Dia Internacional da Pessoa Idosa. “Talvez dizer que se assinala justamente pela necessidade de gerir a problemática do envelhecimento, exigindo novas perspectivas que ajudem a sociedade actual a resolver os problemas que acompanham os processos de senescência, nomeadamente problemas sociais e de saúde, com todas as transformações a que temos assistido na configuração familiar, no mundo laboral e na expectativa da duração da vida”, explicou.

 

Para Vanda Veiga, Enfermeira numa unidade de cuidados paliativos, “mais longevidade implica maior atenção nas respostas sociais e nos cuidados de saúde, uma vez que mais anos de vida têm vindo a ser acompanhados de mais morbilidade e maior dependência”. E sublinha: “Cabe à Enfermagem apoiar todo o processo de envelhecimento, especificamente na promoção de acções que valorizem este ciclo da vida”.

 

A Enfermeira destaca duas grandes áreas de intervenção: a promoção do auto-cuidado e prevenção do aparecimento e/ou agravamento de problemas de saúde; e, uma outra, quando numa fase de maior vulnerabilidade da pessoa idosa, institucionalizada, residente na comunidade ou utente dos serviços de saúde, os Enfermeiros devem zelar e manter activo o respeito de todos pela dignidade destas pessoas.

 

O Dia Internacional da Pessoa Idosa foi instituído em 1991 pela ONU. A pertinência da celebração deste dia parece ser cada vez maior uma vez que a esperança média de vida à nascença tem vindo a aumentar. Em Portugal foi estimada, no período 2017-2019, em quase 81 anos (80,93) - cerca de 78 anos (77,95) para os homens e 84 anos (83,51) para as mulheres (cf INE). De acordo com o último Censos (2011), cerca de 20%-21% da sociedade portuguesa tem 65 anos ou mais. Em 2050, prevê-se que um em cada três residentes seja idoso. Isto fará com que Portugal vá ocupar o terceiro lugar em população mais envelhecida do mundo, a seguir ao Japão e à Espanha.

 

Portugal tem, também, um sério problema no que respeita aos maus tratos contra idosos”: quase 40% são vítimas de abusos (entre eles abusos físicos, psicológicos e abandono) - segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), no Relatório de Prevenção contra os Maus Tratos a Idosos” onde são analisados 50 países europeus,

 

Por outro lado, os dados da Segurança Social referem que 25 mil idosos estão em situação de risco, sendo necessário investir na sua vigilância, pois vivem sozinhos sem qualquer tipo de apoio. Portugal é o 7º País com maior percentagem de pessoas idosas a viverem sozinhas abaixo do limiar de pobreza (23,6%).

 

Estes dados relacionam-se com o facto de uma grande parte (77,9%) dos pensionistas idosos da Segurança Social auferirem montantes abaixo do salário mínimo nacional. O que tem implicações óbvias na sua capacidade de adquirir os meios necessários à sua sobrevivência, desde logo a aquisição de medicamentos, visto que muitos são afectados por múltiplas patologias e são vulneráveis a um conjunto de síndromes característicos do avançar da idade.

 

Obviamente que esta questão preocupa muito os Enfermeiros. Marco Job Batista, presidente do Conselho de Enfermagem Regional (CER), da SRSul, lembra que a Ordem dos Enfermeiros criou, em 2018, uma nova área de especialidade: Enfermagem à Pessoa em Situação Crónica. Conforme explicou, “os cuidados de enfermagem especializados à pessoa em situação crónica podem ser oferecidos em ambiente hospitalar, domiciliar e comunitário”. Esses cuidados incidem sobre a prevenção da doença, a promoção de estilos de vida, a promoção de processos de adaptação e de adesão ao regime terapêutico. O objectivo é capacitar a pessoa, a família e o cuidador para a vivência da doença crónica e para a redefinição de um projecto de saúde, de acordo com as implicações da doença e na qualidade de vida da pessoa.

 

O presidente da SRSul recorda, por seu lado, que os mais velhos são muito diversos e, como tal, as políticas públicas devem contemplar também essa diversidade. “Desde a garantia de um número suficiente de unidades de cuidados continuados e paliativos que garantam um final de vida digno, a reformas/pensões suficientes e justas que permitam autonomia de vida, a modelos concretos organizativos que possibilitem a sua participação activa”, explicou Sérgio Branco, frisando: “É preciso pensar noutros termos de forma a não excluir os mais velhos”. O presidente da SRSul garante que os Enfermeiros estarão sempre na linha da frente na defesa da dignidade das pessoas idosas.