Press-release

Portugal continua sem experiências-piloto do enfermeiro de família

A Ordem dos Enfermeiros (OE) solicitou uma reunião ao Ministério da Saúde, com caráter urgente, para resolução da questão das experiências-piloto do enfermeiro de família. A Direção-Geral da Saúde aparenta ter, sobre esta matéria, sérias dificuldades em interpretar a legislação já publicada.

Em 5 de agosto de 2014 foi publicado o Decreto-lei n.º 118/2014, que estabelece os princípios e o enquadramento da atividade do enfermeiro de família. Ficou definido que o enfermeiro de família é «o profissional de enfermagem que, integrado na equipa multiprofissional de saúde, assume a responsabilidade pela prestação de cuidados globais a famílias, em todas as fases da vida e em todos os contextos da comunidade».

O referido Decreto-lei previa que a implementação da metodologia fosse realizada através de experiências-piloto. Também previa, no seu Artigo 6.º, que «... a definição de áreas de partilha de responsabilidade na prestação de cuidados de saúde em articulação com outros profissionais, nomeadamente com os médicos, é elaborada pela Direção Geral de Saúde (DGS) em colaboração com a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS,IP), no respeito pelas competências e organização da equipa multiprofissional e de carteira de serviços de USF e UCSP e ouvidas as ordens profissionais respetivas...».

Neste contexto, a 12 de janeiro de 2015 foi publicada a Portaria n.º 8/2015, que estabeleceu as 35 unidades funcionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) onde seriam implementadas as experiências-piloto do enfermeiro de família. Com a duração de dois anos, as experiências-piloto iriam decorrer em Unidades de Saúde Familiar (USF), modelos A e B, e em Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP) espalhadas por todo o País.

Em abril de 2015, a DGS remete à Ordem dos Enfermeiros , pela primeira vez, a proposta de «Portfólio da Carteira de Serviços Específica de Cuidados de Enfermagem» e a proposta de «Norma de Articulação e Complementaridade do enfermeiro de família com restantes serviços de saúde».

A OE rejeitou liminarmente as propostas apresentadas, por não estarem em conformidade com os regulamentos de competência dos enfermeiros especialistas e não espelharem a visão e o enquadramento concetual para a atividade do enfermeiro de família. Concetualmente, os documentos propostos estavam diametralmente em oposição aos documentos enquadradores da profissão e do âmbito de intervenção do enfermeiro de família, pelo que foi entendimento da OE não estarem reunidas as condições para emitir pronúncia sobre os mesmos.

Nessa altura, considerando a enorme relevância para a profissão e para a sociedade da metodologia de trabalho do enfermeiro de família, foi solicitado agendamento de reunião com a DGS, para clarificação da posição da OE e colaboração na construção dos documentos enquadradores das experiências-piloto do enfermeiro de família, o que veio a acontecer no passado dia 25 de julho.

Dois meses depois, em setembro, a DGS enviou à OE nova proposta do Portfólio do Enfermeiro de Família que apresenta reduzidas alterações em relação à versão de abril de 2015, que mantém as principais inconformidades identificadas, nomeadamente em relação aos princípios enquadradores, desrespeito pelas competências específicas dos enfermeiros especialistas e redundância do documento com outros já publicados.

Neste sentido, e apesar de a OE sempre ter manifestado disponibilidade para a construção dos documentos enquadradores e para tal não ter sido solicitada, entendeu a OE, mais uma vez, considerar que o documento não reúne condições para se pronunciar sobre o mesmo.

Assim, considerando que:

     a) O enfermeiro de família é um enfermeiro de cuidados gerais que tendencialmente será especialista em saúde familiar;

     b) o enfermeiro de cuidados gerais tem competências próprias regulamentadas e o seu exercício profissional não pode colidir com as competências dos enfermeiros especialistas, independentemente da área de especialização;

     c) os documentos enviados pela DGS levam a inferir que a sua visão é a de que experiências-piloto existem para «legitimar» o trabalho desenvolvido pelos enfermeiros, não acrescentando valor aos processos de cuidados;

     d) permitem ainda perceber que na sua base está o entendimento de que o enfermeiro de família é um «faz tudo», sem qualquer diferenciação da sua atividade;

     e) o Decreto-lei n.º 118/2014 identifica áreas de excelência a desenvolver, nomeadamente no acompanhamento do doente crónico, que são negligenciados nesta proposta de Portfólio do Enfermeiro de Família;

     f) o proposto mantém a forma tradicional de prestação de cuidados nas unidades funcionais dos Cuidados de Saúde Primários;

     g) o documento proposto pela DGS sobre a atividade a desenvolver nas experiências-piloto do enfermeiro de família apresenta divergências irreconciliáveis com o enquadramento legal das experiências-piloto e com o enquadramento regulamentar da profissão;

a participação da OE no processo de implementação das experiências-piloto do enfermeiro de família está condicionada à resolução definitiva destes constrangimentos. O atraso na operacionalização desta metodologia de trabalho está a descredibilizar o processo e tem consequências para a profissão, para as unidades funcionais propostas como experiências-piloto e para a sociedade.

Sem a existência dos documentos enquadradores, as experiências-piloto nunca sairão do papel.

Pelas razões expostas, a OE solicitou reunião à tutela para resolução definitiva do diferendo.

CD - GC/HZ - GCI/WA/PG