Ordem dos Enfermeiros inquieta com o rumo previsível dos Cuidados Continuados em Portugal

Lisboa, 26 de Outubro - Atendendo à situação do país e à anunciada falta de cobertura financeira afecta aos Cuidados Continuados Integrados – comunicada recentemente pelo Sr. Ministro da Saúde na Assembleia da República e reafirmada em reunião recente com a Ordem dos Enfermeiros (OE) – teme-se o pior para os doentes que necessitam de cuidados continuados e paliativos.

Esta é uma área de inegável importância porque permite obter ganhos em saúde ao nível da reabilitação e de uma qualidade de vida da população idosa e onde os enfermeiros têm desenvolvido um trabalho incessante. Por isso, a aposta na RNCCI deve ser mantida, sob o risco de a população sofrer, em termos sanitários e sociais, o impacto do desaparecimento de uma resposta que, não sendo universal, criou até ao momento 5.600 camas de convalescença, média e longa duração e de cuidados paliativos.

Uma opção ministerial contrária traduzir-se-á no aumento significativo do aumento de reinternamentos em hospitais de doentes que antes estariam, em unidades de cuidados continuados integrados, situação geradora de custos acrescidos.

Para que tal não aconteça – e de forma a potenciar as intervenções dos vários níveis de cuidados, rentabilizando recursos – a Ordem dos Enfermeiros considera que é necessário proceder a uma realocação de verbas – ou seja, transferir parte do investimento que hoje se faz em ambiente hospitalar / tecnológico para unidades que prestam cuidados de proximidade, onde se integram os Cuidados Continuados Integrados. Para tal, a OE defendeu, junto do Sr. Ministro da Saúde, a elaboração de um plano de restruturação nesta área, no qual se mostrou disponível para colaborar.

A continuação da aposta na RNCCI traduzir-se-á, em termos práticos, na libertação de camas na rede hospitalar e, consequentemente na diminuição dos gastos ao nível dos cuidados hospitalares. A melhoria da articulação entre a RNCCI e os hospitais trará benefícios inequívocos para os portugueses.
Face à situação que o país atravessa, a Ordem dos Enfermeiros compreende que sejam pedidos sacrifícios e é da opinião que deve haver uma boa gestão dos dinheiros públicos e uma utilização parcimoniosa dos recursos disponíveis.

Igualmente ao nível dos cuidados de proximidade, consideramos também que há margem de flexibilidade face às medidas que a Troika nos exige. Entendemos que se deverá tentar penalizar o menos possível os cidadãos, nomeadamente na Saúde, porque isso originará um acréscimo de despesa a médio prazo. As medidas do Governo prevêem um aumento da incidência contributiva dos cidadãos (por exemplo, nas taxas moderadoras) maior do que seria desejável na opinião da OE, o que traz já dificuldades no acesso e, a prazo, mais doença aos cidadãos. Estamos em crer que os portugueses vão adoecer mais e que o custo para o SNS será muito superior às poupanças que serão conseguidas a curto prazo.

Preocupante, na nossa opinião, é também a descapitalização humana nos Cuidados de Saúde Primários, onde se assistiu ainda recentemente à dispensa de quase 50 enfermeiros só nos centros de saúde da capital. Isso trará reflexos na qualidade dos cuidados de Enfermagem prestados, sendo que a sobrecarga de trabalho é um factor potenciador de erros e de aumento de horas extraordinárias realizadas nos serviços. Dos estudos que realizou, a OE constatou que faltarão pelo menos 3.500 enfermeiros nos CSP.

Consideramos que o OE para 2012 deve exprimir uma vontade firme no desenvolvimento da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários, com tradução em termos orçamentais e que não está clara, comparativamente com a opção que tem sido prevalente de financiamento do modelo hospitalocêntrico para uma lógica de promoção da saúde e prevenção da doença. Este é o único caminho que permitirá a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde.

Julgamos ainda que deve haver uma clarificação da efectiva capacidade instalada do SNS, só se devendo financiar a prestação de cuidados fora do SNS nas áreas onde estiver esgotada a capacidade deste - combatendo atitudes discriminatórias de entidades convencionadas como as recentemente anunciadas no que respeita a doentes hemodialisados portadores de hepatite B.
 
Enf.ª Maria Augusta Sousa

Bastonária da Ordem dos Enfermeiros

CD/MAS/TOM - GCI/LCN