Saúde em Segurança

  • 16-09-2020

17 de Setembro, Dia Mundial da Segurança do Doente. A efeméride foi assinalada pela primeira vez o ano passado, mas quase ninguém deu por isso. Este ano, a SRSul pretende que este dia nos faça pensar pois é responsabilidade de todos promover uma cultura de segurança dos cuidados - para os doentes e também para os Enfermeiros e demais profissionais.

 

“Na Enfermagem nós vemos o todo, quer ao nível dos cuidados quer ao nível dos doentes”. Quem o afirma é Susana Ramos, Enfermeira Gestora, Coordenadora do Gabinete de Segurança do Doente do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC).

 

Conforme explicou, “os profissionais de saúde assumem o compromisso da protecção da pessoa, a responsabilidade da prestação dos cuidados seguros e a garantia da excelência dos cuidados”. Por isso, defende, “é crucial que desenvolvam a sua actividade em ambientes seguros e adoptem boas práticas em todos os momentos”.

 

Porque, na verdade, nenhum Enfermeiro está livre da ocorrência de eventos adversos. Mas, os doentes confiam plenamente nos cuidados que lhes são prestados e de modo algum estão preparados para quando as coisas correm mal. Nem eles nem as suas famílias.

 

Por isso, esclarece Susana Ramos, para uma boa segurança dos cuidados é fundamental que os Enfermeiros conheçam bem o perfil dos eventos adversos ocorridos nas organizações e que aprendam com eles. Por outro lado, é de todo conveniente que conheçam os factores que influenciam a qualidade e a segurança dos cuidados. Além disso, devem ter também consciência dos riscos associados à actividade que exercem. E, não menos importante, ter definidas soluções para problemas reais e complexos.

 

Questão mais polémica é a de saber se os eventos adversos devem ou não ser reportados. Susana Ramos, que também exerce as funções de adjunta da Enfermeira Diretora do CHULC, é de opinião que todos devem ser reportados na medida em que conhecer o erro é a melhor solução para o evitar e corrigir. Porém, adverte que a legislação é pouco protectora relativamente aos profissionais que admitem o erro e o reportam. Segundo a Enfermeira, a lei deveria proteger mais o relato do incidente para evitar a sua divulgação por meios impróprios, nomeadamente através da comunicação social. Por outro lado, acrescenta, a legislação deveria também prever garantias de que a notificação servirá, sobretudo, para se detectarem eventuais factores sistémicos que necessitem de ser corrigidos e não para sancionar os profissionais que tiveram a coragem de reportar. “Na verdade, actualmente, reportar um evento adverso é um acto de coragem”, observou.

 

Este Dia Mundial, na verdade, só o ano passado começou a ser assinalado por iniciativa da Organização Mundial da Saúde. Mas, estas questões são debatidas em Portugal há mais de 20 anos e melhoradas todos os dias. E, garante Susana Ramos, os Enfermeiros estão sempre na linha da sempre quando se trata de reflectir e de inovar, nomeadamente neste âmbito da segurança do doente.

 

Defende, no entanto, que os conteúdos desta área deveriam ter uma presença mais destacada na formação pré e pós-graduada. Para Susana Ramos, faria todo o sentido dotar as instituições da saúde com profissionais especializados na gestão de risco e segurança dos cuidados, pessoas capazes de antecipar o risco e de trabalhar na prevenção. Os profissionais melhores colocados para exercer essas funções seriam naturalmente os Enfermeiros porque são os que “melhor conseguem ligar as várias áreas de competência”, disse. E se exercerem sem o título de Enfermeiro especialista, porque essa especialidade é ainda inexistente na Ordem dos Enfermeiros, que o exerçam com o reconhecimento de competências acrescidas. O papel do Enfermeiro, entende Susana Ramos, pela sua visão holística no contexto das suas funções, vai muito mais além do âmbito suas competências específicas.

 

Na realidade, observou, a preocupação com a segurança dos cuidados é nuclear no código deontológico da profissão. Mas, a segurança dos doentes deve envolver também os próprios doentes. Isto pressupõe que se apele à intervenção da sociedade civil, nomeadamente na promoção de programas de literacia em saúde. Cada vez mais as pessoas estão capacitadas para perguntar e ter noção dos seus direitos e deveres.

 

Neste sentido, Susana Ramos propõe que este Dia Mundial se celebre com iniciativas que culminem em esforços comuns, de utentes e de cuidadores, para a promoção de uma verdadeira cultura de segurança. Hoje, de facto, já se fala em cultura de segurança nas instituições da saúde e em particular nos hospitais.  “A segurança dos cuidados é um garante da qualidade e um valor acrescido na Enfermagem, mas há ainda muito caminho para percorrer”, afirmou.

 

O futuro perspectiva-se, naturalmente, com o crescimento da tecnologia a enformar os cuidados. Mas, lembra Susana Ramos, o grande foco da Enfermagem é a parte humana e relacional. “A tecnologia no âmbito da Enfermagem faz falta, mas o Enfermeiro não pode ser substituído por um robô”, rematou.

 

O presidente da SRSul, por seu lado, lembra que “a segurança dos cuidados pressupõe também o respeito pelas dotações seguras previstas regulamentarmente e que, infelizmente, são muito pouco observadas”. Mas, acrescenta o Enfermeiro Sérgio Branco, “a questão passa não só por ter o número de Enfermeiros suficientes mas também por se assegurar as necessárias competências profissionais, nomeadamente com Enfermeiros especialistas, e as condições materiais e técnicas ajustadas, tudo de forma harmoniosa”. E afirma: “Se não garantirmos em primeira instância estas variáveis qualquer estratégia de implementação de segurança dentro das organizações terá, à partida, o seu prognóstico reservado”.

 

Para o presidente da SRSul, uma insuficiente segurança dos cuidados aos doentes constitui um grave problema de saúde pública, além de um elevado ónus para os limitados recursos da saúde”. Neste sentido, defende que “as instituições da saúde e todos os profissionais devem ter perfeitamente assimilados os aspectos da cultura de segurança organizacional, imprescindíveis para a implementação de medidas eficazes que evitem incidentes na prestação de cuidados aos doentes”. E partindo do princípio que a principal preocupação das organizações é evitar erros, que nesta área podem ser fatais, Sérgio Banco, na mesma linha de Susana Ramos, também é de opinião que se devem formar profissionais capazes de prever, reconhecer e corrigir eventos adversos. O presidente da SRSul disse ainda estar esperançado que este Dia Mundial da Segurança do Doente possa contribuir para que essa cultura de segurança se enraíze nos profissionais e nas instituições.”