Em defesa da vida

  • 09-09-2020

No Dia Mundial da Prevenção do Suicídio, que se assinala esta quinta-feira, 10 de Setembro, a SRSul saúda todos os Enfermeiros que na linha da frente traduzem palavras, interpretam gestos e lêem olhares para que os desejos de morrer sejam transformados em razões de viver.  São os profissionais da saúde que, na excelência da proximidade, melhor posicionados se encontram para detectar comportamentos suicidários. São eles que, através de um encaminhamento eficaz e seguro, podem proporcionar luz a quem se sente preso a um labirinto escuro.

 

Os comportamentos suicidários estão muito estudados. Há, inclusive, uma propensão enraizada em certas zonas da população portuguesa, por exemplo, no Alentejo, sobretudo por parte das pessoas mais velhas. A expressão “já não ando aqui a fazer nada”, ou “não aguento mais viver assim, eu gostaria de viver, mas não assim…” dita após uma entrada na urgência devido a uma intoxicação medicamentosa, é um alerta que Joaquim Brissos conhece bem, sobretudo pela experiência de 16 anos no serviço de urgência da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, onde agora é Enfermeiro Director.

 

Conforme explicou, o Enfermeiro é o membro da equipa de saúde mais próximo da população, sobretudo em contexto de cuidados primários. O Enfermeiro conhece as pessoas, conhece as famílias, inclusive o contexto familiar e as condições habitacionais. Por isso, é o profissional da saúde melhor posicionado para accionar as campainhas da prevenção. “Conhecendo a pessoas vemo-nos compelidos a ler os seus comportamentos”, observou.

 

Para Joaquim Brissos, não há dúvidas: “A detecção precoce salva muitas vidas”. Por isso, sublinhou: “No âmbito dos comportamentos suicidários, o Enfermeiro é o elemento mais importante do grupo de trabalho.” A experiência dita que a maioria das pessoas que pensa, tenta ou comete o suicídio escolheria outra saída para solucionar os seus dilemas. O problema é que o estado de angústia em que se encontra impede-a de, objectivamente, avaliar as eventuais opções. De facto, a sua intenção não é pôr termo à vida mas acabar com uma imensurável dor psicológica. Exteriorizam, por isso, sinais que são de esperança de serem salvas. “Os Enfermeiros, em geral, são os primeiros a ler esses sinais”, frisou Joaquim Brissos. Na ULS do Baixo Alentejo foi, inclusive, dada formação específica aos Enfermeiros para melhor detectarem o comportamento suicidário. Depois, foi também criado o Observatório dos Comportamentos Suicidários, constituído multidisciplinarmente na USL, para ajudar a compreender e acompanhar este tipo de doença. A utilidade desse Observatório foi imediatamente reconhecida, tendo sido alargada a outras unidades locais de saúde, estando em projecto também uma futura parceria com a Universidade de Évora.

 

“A vida salva-se em equipa, seja qual for a situação, mas muito especialmente nesta área dos comportamentos suicidários. Não basta detectar, é preciso também encaminhar e depois cuidar”, salientou Joaquim Brissos, especializado em Enfermagem de Saúde Mental, diploma obtido em Évora, onde alcançou também o grau de Mestre, depois de ter frequentado a Escola Superior de Saúde de Beja, onde se licenciou em 1991.

 

Também o Enfermeiro André Maravilha, igualmente especializado na área da saúde mental, chama à atenção para a importância do trabalho em equipa e, sobretudo, para o papel da comunidade.

 

Pertencendo ao quadro do Hospital de D. Estefânia, o Enfermeiro trabalha especialmente focado em crianças e adolescentes. “É preciso ler os sinais e perceber se o jovem beneficia de uma rectaguarda que o proteja”, explicou. Tratando-se de casos detectados já no hospital, os Enfermeiros terão de se preocupar em construir pontes com a comunidade, através do Enfermeiro de Família. Este, por sua vez, deverá também estabelecer contactos com a Escola, com os professores e demais pessoas de referência dos jovens com comportamentos suicidários. “Ninguém se salva sozinho. A comunidade é fundamental”, salientou o Enfermeiro de 33 anos. Enfermeiro que é também promotor/produtor/apresentador de um programa de entrevistas sobre saúde mental intitulado “Deu-me para Isto”, disponível no Youtube.  E explicou: “O Enfermeiro de Família terá de conhecer a dinâmica familiar, a dinâmica laboral, saber o que mudou na vida da pessoa doente, perceber se houve alterações nas coisas que antes realizava com prazer e que deixou de o sentir, enfim, o Enfermeiro é o profissional de primeira linha capaz de detectar os sinais que, embora, nem sempre devam ser sobrevalorizados, nunca poderão ser menosprezados”.

O mesmo se aplica aos profissionais da Saúde, nomeadamente os Enfermeiros. André Maravilha recorda que, segundo alguns estudos referidos pela Ordem, um em cada cinco Enfermeiros encontra-se em situação de burnout. Esta realidade, segundo aquele especialista, advém não só das dificuldades existentes ao nível das condições e sobrecarga de trabalho, mas também, e sobretudo, da incapacidade de o Profissional ligar e desligar do trabalho.

 

Conforme explicou, o Enfermeiro leva para casa a imagem do último doente que esteve a cuidar lamentando-se não ter feito mais, e, por vezes, sem que encontre alguém para falar do assunto até ao turno seguinte. Por outro lado, raramente a morte de um doente é debatida no seio da equipa, desconhecendo-se o impacto emocional que desencadeou nos vários profissionais. E também é verdade que os Enfermeiros, em geral, são evasivos relativamente às questões emocionais. “É fundamental que os Enfermeiros saibam ligar e desligar, que saibam gerir as suas emoções, e que tenham a noção dos seus próprios limites”, alertou. E acrescentou: “Têm também de ter a humildade para serem capazes de pedir ajuda quando acharem necessário”.

 

Neste Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, a SRSul abraça todos os Enfermeiros que, na linha da frente, lêem olhares, traduzem palavras e interpretam gestos, conseguindo evitar que uma vida se apague a ela a própria. Para Sérgio Branco, presidente da SRSul, “os Enfermeiros que trabalham nesta área da saúde mental são a prova evidente que a aposta na promoção e prevenção da saúde, sobretudo ao nível dos cuidados primários, é a melhor resposta para combater esta e outras doenças”.