Prevenir o suicídio em Grândola com "Mais Contigo"

  • 10-09-2023

"O objectivo é a prevenção do suicídio sem nunca falar de suicídio." Ao ter conhecimento do programa "Mais Contigo", a Enfermeira Rosa Oliveira não hesitou em querer conhecê-lo melhor e implementá-lo em Grândola.


Com o Alentejo a ser uma das regiões com maior prevalência de suicídios no país, o desejo foi o de poder ajudar os mais jovens, dar-lhes o conhecimento e ferramentas para que possam entender os desafios da saúde mental, para ultrapassar estigmas, obstáculos e momentos de tristeza.


"Não havia ninguém na nossa região, no Alentejo, a dinamizar o programa, ironicamente, tendo em conta a taxa de suicídio para estes lados", afirma Rosa Oliveira, referindo-se ao facto de a taxa ser superior à média de quase todo o país. A Enfermeira da Unidade dos Cuidados de Saúde Primários de Grândola não esconde que rapidamente se interessou pelo programa, juntamente com outra colega enfermeira.


“Escolhemos começar com os mais novos. Nós temos uma boa articulação com as escolas e foram seleccionadas duas turmas”, explicou. O ano lectivo de 2022/2023 marcou o início do “Mais Contigo” em Grândola, com Rosa Oliveira a esperar que possa evoluir e abranger mais jovens estudantes no futuro próximo. Neste ano de estreia, alunos entre os 13 e 14 anos e também os 18 anos foram os que participaram nas sessões, entre as duas turmas.


O programa tem a sua origem na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, tendo como objectivo a promoção da saúde mental e bem-estar em jovens do terceiro ciclo e secundário, não esquecendo as suas famílias e comunidade escolar, apostando na prevenção de comportamentos da esfera suicidária e no combate ao estigma da saúde mental.


Em Grândola, foram realizadas cinco sessões durante o ano, nas quais se falaram de temas como "saúde mental, auto-estima e resolução de problemas", como explicou a Enfermeira Rosa Oliveira.


"Queremos que eles pelo menos se expressem se têm sentimentos de tristeza, se sofrem bullying… No fundo tentamos que sejam um grupo, que a turma se una", realça. Os jovens preenchem ainda um questionário que ajudará a perceber melhor o impacto que o programa pode ter.


Sendo o suicídio um tema ainda tabu na sociedade, como considera Rosa Oliveira, a Enfermeira destaca a importância de se falar, mesmo sem referir especificamente o suicídio e reitera: "É importante que [os jovens] se expressem. Nós reforçamos que a pessoa mais importante das nossas vidas somos nós, que temos sempre uma rede de apoio, nunca estamos sozinhos... Daí o programa se chamar 'Mais Contigo'."


Realça ainda como na pandemia "houve um agravamento de sintomas". "Claro que nesta região, que é o que é, tivemos mesmo de dinamizar este programa", afirma.


Rosa Oliveira recorda que logo durante a formação que recebeu dos colegas enfermeiros de Coimbra "entrou em sintonia com o programa". Explica como simulou "estar do outro lado" e o quanto aprendeu. Deseja que “a longo prazo se veja resultados” do trabalho que agora começou a ser feito nas escolas.


Com docentes, não docentes e os pais conhecedores do programa, o papel das escolas é visto pela enfermeira como muito importante, principalmente para poder identificar algum potencial caso de risco: "Em Grândola é muito à base nestas ligações que se criam. Dizem às enfermeiras que estão preocupados com determinado aluno. E depois é tentar perceber o contexto em que aquela criança está inserida e trabalha-se a partir daí."


E o século XXI trouxe novos desafios, com as redes sociais à cabeça. "A longo prazo pode ser negativo para eles. A questão do bullying era na escola, chegávamos a casa e acabava. Com as redes sociais nunca acaba", salienta.


Sendo um dos objectivos do programa que estes jovens se expressem, Rosa Oliveira deseja que o "Mais Contigo" possa ser "mais um pilar" na ajuda a quem possa precisar e que assim tenha confiança para falar com alguém. Reforça que alguns pais e professores ficaram muito interessados no trabalho que começou a ser feito.


"Nada se perde, nem que me dissesse que só um beneficiou disto. Nunca conseguimos medir, mas que nem que seja só um que diga que se lembrou do que a enfermeira falou naquela sessão e que foi o divisor de águas... Sabemos que estas coisas só podemos avaliar daqui a uns anos, mas temos de continuar a fazer", concluiu.