Márcio Teixeira, um enfermeiro na Proteção Civil

  • 01-03-2024

Quando se fala de enfermeiros, o pensamento tendencialmente centra-se naqueles que, dia após dia, se dedicam ao cuidar da população, numa função bem visível, de proximidade e de extrema importância na área da saúde. Mas quando se fala do Enfermeiro Márcio Teixeira, a situação é diferente…

 

O seu trabalho pode não ser tão visível, mas não tem menos importância, numa Proteção Civil sempre presente e não apenas em momentos de crise. Márcio Teixeira tem 47 anos e há muito que abraçou o desafio do Serviço Municipal de Proteção Civil de Lisboa. Começou em 2000, mas, entretanto, tirou o curso de enfermagem e dedicou-se a diversos serviços de emergência. Regressou em 2008 e não mais saiu.

 

Recorda que "a saúde era uma área em que não havia recursos” na Proteção Civil, que realça caracterizar-se “por ser multidisciplinar".

 

Neste Dia Internacional da Proteção Civil (1 de março) quisemos conhecer o que faz o Enfermeiro Márcio Teixeira neste organismo.

 

"Estou afeto a uma estrutura que é o Centro Permanente de Operações de Proteção Civil, que agrega todas as equipas de intervenção no terreno, as equipas especializadas, ao nível do psicossocial, ao nível da engenharia civil, por exemplo, montar uma sala de comunicações e operações..."

 

 

Numa vida tão ligada a serviços de emergência, não estar no terreno não é algo que o faça sentir falta: "Tudo na nossa vida tem uma fase. Não tenho uma intervenção de ter a mão na massa, mas garanto que os outros tenham e disponham dos recursos necessários."

 

Reconhece que, quando era mais novo, chegou a ver a Proteção Civil como algo inatingível. Hoje não tem dias iguais. "Também é uma das vantagens da Proteção Civil. Todos os dias são diferentes."

 

O grande desafio

 

Se houve um momento recente em que a área da saúde ganhou mais foco na Proteção Civil foi o da pandemia. Foram mais de dois anos de intenso trabalho.

 

"Em Lisboa tivemos 11 centros de vacinação a funcionar, foram um milhão e 500 mil vacinas administradas entre todas as doses, em colaboração com os três ACES da cidade, com a DGS, com o SNS. Tivemos uma bolsa de 700 enfermeiros que a autarquia disponibilizou à Proteção Civil para reforçar a capacidade dos centros de vacinação", realça.

 


Nunca esquecendo que o esforço partiu de várias entidades, além da Proteção Civil, sem naturalmente esquecer o papel essencial dos enfermeiros, destaca: "O mais interessante acabou por ser o centro da vacinação da FIL que foi desenhado e pensado por nós para congregar os três ACER de Lisboa a operarem em conjunto e desenhar um centro com capacidade para seis mil vacinas por dia, que ainda era extensível em caso de necessidade."


"Foi um verdadeiro desafio e só resultou porque temos uma diretora que é extraordinária em implementar projetos e porque tivemos um forte apoio político desde o princípio a lidar com este processo."


"Ainda houve a vacinação domiciliária, falamos mais uma vez de milhares, foi preciso desenhar operações muito complexas com o apoio dos bombeiros, da polícia, de transportar equipas de enfermagem, equipas médicas, desenhar rotas, com o apoio da inteligência urbana da Câmara Municipal de Lisboa."

 

Momentos marcantes

 

A pandemia acabou por ser o maior desafio que enfrentou, mas Márcio Teixeira viveu outros momentos que o marcaram. A nível pessoal salienta um que envolveu uma família ucraniana refugiada da guerra.


"Assim que montámos o primeiro centro de acolhimento de emergência, há uma fotografia que tirei e eu não sou muito dado a fotografias, mas tenho quatro filhos. Havia um agregado familiar que vinha completamente desamparado, como é normal e tirei uma selfie com ele para os meus miúdos verem e, realmente, foi quando tive o choque de perceber o que realmente estávamos a lidar", afirmou.


E explicou: "Às vezes na Proteção Civil lidamos numa escala tão macro, que só quando temos contacto direto com a situação é que percebemos a fragilidade em que as pessoas estão, que é muito o nosso trabalho aqui no dia a dia. Os incêndios, as derrocadas… o nosso foco é o apoio à população e é para isso que essencialmente são canalizados os nossos recursos."

 


Outro momento que não esquecerá aconteceu em agosto do ano passado: as Jornadas Mundiais da Juventude. Apesar de ações em vários locais do país, foi em Lisboa que se concentrou o evento.


"Foi uma preparação enorme, de caráter nacional. Nós aqui, em escala municipal, estivemos envolvidos em articular tudo o que eram serviços municipais. Foi desde a higiene urbana, até onde se põe os postos médicos do INEM, como se alimentam com eletricidade, como se faz chegar água àquelas pessoas... Foi gigantesco!"


"Um dos trabalhos que tivemos foi invisível. Aqui em Lisboa tínhamos de preparar um centro de acolhimento, uma zona de concentração de apoio à população, preparada para 400 pessoas se algo corresse menos bem. Outro trabalho preparatório que fizemos foi fazer o curso de MRMI, com 157 participantes, 28 entidades. Uma formação multidisciplinar. O nível de planeamento – era uma operação nacional – ia muito além do que acabou por ser necessário. Estava tudo muito bem preparado", assegurou.

 

Prevenir, formar e informar

 

A prevenção tem uma forte componente, assim como a formação, seja junto dos mais novos, ou de uma população mais frágil. Neste Dia Internacional da Proteção Civil foi realizado em Lisboa um simulacro de tsunami.


"Compete-nos, perante riscos identificados, sensibilizar a população e garantir que está minimamente preparada, tal como todos os serviços essenciais para o funcionamento da sociedade, que estão preparados para estas situações", diz.


Este tipo de simulacros "é tudo um trabalho muito complexo que não começou ontem e que não termina amanhã e que tem de ser permanente".
No entanto, também há uma presença junto das crianças, de forma a informá-las sobre os mais diversos temas e tentar ensinar possíveis formas de agir, em determinadas situações.

 


Um trabalho que vai muito além daquele que é mais visível da Proteção Civil: "O grosso do trabalho da Proteção Civil não tem nada a ver com operações, acabamos por ser a face mais visível quando as coisas correm menos bem. Estamos presentes em situações em que não se fala muito, como a passagem de ano, as Festas de Lisboa, estamos a organizar juntamente com os bombeiros, Cruz Vermelha, INEM, com as forças de segurança, juntas de freguesia, com os vários serviços municipais."


"Nós não somos para aparecer. Quanto menos aparecermos melhor. Temos de garantir que as coisas funcionam."


Não sendo uma função tão visível haver um enfermeiro na Proteção Civil, será que Márcio Teixeira recomendaria a colegas, apesar de não haver uma prestação direta de cuidados de saúde: "Sim. Acho que é importante dizer que a enfermagem é um curso superior muito completo em que nos coloca, além da componente principal da prestação de cuidados de saúde, tem um conjunto de disciplinas em termos curriculares que são transversais às várias licenciaturas. Hoje em dia um enfermeiro está tão habilitado a lidar com estatística, informática, línguas, como qualquer outro técnico superior de qualquer outra área. Claro que depois há a parte mais específica de qualquer área da licenciatura."

 

Fotografias: CML