Idosos e a digitalização na saúde

  • 12-10-2023

 

População sénior e digitalização. Nem sempre é uma relação fácil, mas também não é tão complicada como possa parecer à primeira vista. Na área da saúde (e não só) a pandemia impulsionou a influência dos meios digitais, o que dificulta que todos possam ter condições de acompanhar uma evolução que não só não pára, como se mantém a ritmo elevado. O Enfermeiro Especialista João Oliveira esteve em Estremoz para mostrar a todos, mas principalmente aos mais velhos, que a digitalização é um benefício que está ao alcance de qualquer faixa etária. Mas claro, com desafios inerentes.

 

"Um dos grandes objectivos é melhorar o acesso da população aos cuidados de saúde por outros veículos, nomeadamente pelo veículo das tecnologias da informação", explicou João Oliveira, que esteve na cidade alentejana por altura da segunda edição da Feira Sénior, a convite da UCC de Estremoz e em representação da Secção Regional do Sul da Ordem dos Enfermeiros.


O Enfermeiro Especialista em Saúde Mental e Psiquiátrica explicou que dos mais de 11 mil inscritos na UCC de Estremoz, muitos são idosos, o que faz com que a aposta na literacia em saúde seja primordial.


"Estamos a falar de uma população idosa – o público alvo desta iniciativa – cujo o principal problema a nível da saúde digital, é a literacia. A nível de desenvolvimento tecnológico, esta é uma população que está identificada como um grupo vulnerável e a abordagem tem de ser cuidadosa porque ou a receptividade é boa, ou não é de todo aceite", salientou.


João Oliveira referiu como escolheu uma abordagem simples para tentar captar a atenção da mais de uma centena de pessoa que assistiu à intervenção do Enfermeiro Especialista. Começou por explicar como a saúde é um direito constitucional e que deve ser garantido o acesso, passando depois para a evolução da saúde digital. Recuou a 1965, quando surgiu o número emergência nacional, nesse ano centrado em Lisboa, mas que depois foi abrangendo mais cidades. Era o então 115, actual 112. A linha Saúde24, o site sns.gov.pt, até à teleconsulta, foram passos que se foram dando em Portugal na digitalização na área da saúde.


"Fiz uma abordagem histórica porque quando se ouve falar em digitalização na saúde pensa-se que é uma coisa muito recente, mas não é. Nós já a trabalhamos há muito tempo. As tecnologias de informação é que são diferentes. Evoluíram de outra forma. Na altura a tecnologia de informação e comunicação era o telefone. Já era um sinal de digitalização em saúde, na minha opinião", frisou.

 

 

Os desafios da rápida evolução da digitalização, acelerada pela pandemia


No entanto, esta digitalização traz alguns desafios, que foram também abordados pelo Enfermeiro Especialista: "A saúde digital veio para ficar e para avançar. Temos de nos mentalizar disso mesmo. O que está a acontecer é uma rápida propagação deste veículo porque tivemos uma pandemia pelo meio, que nos forçou a reinventar todos os dias. Uma solução foi recorrer à saúde digital."


E acrescentou: "Esta rapidez de evolução é que é contraproducente para estes grupos mais vulneráveis, porque precisam de mais tempo para aprender, para ganhar competências, tanto operacionais - manuseio de dispositivos seja o telemóvel, tablet, computador - e depois têm de adquirir um quadro de competências relacionados com a sua própria condição de saúde. Qual é o objectivo, o que é suposto fazer-se, qual o resultado esperado, quais as medidas que têm de intervir…"


Ou seja, neste último ponto está em foco a literacia em saúde. João Oliveira disse aos muitos presentes que para melhorar os conhecimentos, uma solução passa por se aliarem "aos profissionais de saúde da zona, neste caso a UCC de Estremoz, no desenvolvimento da sua própria literacia", mas sem esquecer a família e amigos.


O Enfermeiro Especialista aproveitou também para se dirigir à UCC de Estremoz e às estruturas políticas locais "no sentido de desenvolveram e de investirem naquele município na saúde digital, que será o futuro".


Receptividade positiva, com algumas excepções


A receptividade foi positiva, garantiu, mas com excepções: "Das pessoas que assistiram, do que fui percebendo ao longo da minha exposição, daquilo que eu procurei saber, tive dois tipos de receptividade: entre o público entre os 60 e 70 anos foi muito bem recebido. Notava-se um interesse enorme."


"No público numa faixa etária mais alta, de 80 para cima, não senti isso. Senti que não era este tema que queriam ouvir e isso diz-nos muito. Para aprendermos sobre um tema temos de estar interessados e cabe a nós, profissionais de saúde, captar o nosso público e desenvolvermos estratégias para lá chegar. Não é ao contrário. Nesta faixa etária é preciso fazer um esforço acrescido e apresentar novas estratégias para lá chegar. Talvez passando por cuidadores informais", afirmou.


João Oliveira destacou que entre os 60 e 70 anos a realidade é diferente e que por vezes até se tem uma "concepção errada": "Poder haver um juízo de valor e assumir que mesmo nessa idade não percebem nada. É mentira. Hoje em dia, mais do que nunca, temos pessoas idosas com smartphones, que mexem, descobrem as redes sociais… Podem não dominar como um jovem, mas sabem o que fazer, sabem aceder a programas de videochamadas para falar com os netos que estão longe… Já o fazem em grande escala. Há estudos sobre isso, que a digitalização na pessoa idosa aumentou. Não é tão baixa como pensamos."

 

 

Ninguém deve sentir-se excluído


Também a UCC de Estremoz e a própria autarquia mostraram-se receptivos em apoiar ideias que possam contribuir para a literacia em saúde na vertente digital. Para o Enfermeiro Especialista esta aposta é importante para evitar a exclusão, o esquecimento desta população.
"Uma das coisas que eu lhes disse é que com a falta deste tipo de iniciativas, o grande problema dos avanços tecnológicos e da velocidade ter sido muito rápida, originou uma fractura digital."


"A fractura digital origina exclusão. É o sentimento que as pessoas vão sentir. Nós, a nível ético, como profissionais de saúde, as autarquias como decisoras políticas e até no contexto dos decisores sociais, todos têm de perceber que não podemos deixar ninguém para trás porque ao fazê-lo estamos a criar exclusão. Nós não queremos isso. Queremos o contrário, que ninguém se sinta sozinho", realçou.


Esta visita a Estremoz foi uma primeira abordagem, como referiu o Enfermeiro Especialista João Oliveira, mas mais iniciativas do género só irão ajudar a capacitar cada vez melhor a população idosa no que à digitalização na saúde diz respeito. Considera que os profissionais de saúde têm o seu papel, pois afinal é um ganho para todos, inclusivamente para o funcionamento do SNS.

 


Segurança e confiança


Naturalmente que é também preciso abordar os problemas que surgem: "Temos muito ganhos em saúde, mas como tudo que é poderoso, também traz grandes responsabilidades e temos de estar atentos."


Utilizar as plataformas digitais traz riscos acrescidos em questões como o roubo de identidade, por exemplo. E quando se fala de confiança – e não só neste aspecto da segurança -, esta também tem de ser trabalhada para que se entenda que quando se fala em teleconsulta, mais um exemplo que o Enfermeiro referiu, tal não significa que se esteja a substituir por completo a presencial, ainda mais numa população que tanto valoriza ir ao médico ou recorrer ao enfermeiro.


"Temos de começar o nosso caminho porque, caso contrário, cria-se uma baixa de confiança no utente e vamos perdê-los. Não se faz qualquer coisa que não inspire confiança. Isso acontece, por exemplo, com as teleconsultas. O conceito, o não ser presencial, para a população mais idosa levanta um problema", disse, considerando que é preciso que fique claro que a teleconsulta é mais um elemento a ter em conta, mas que a presencial continuará a persistir.


"Nós temos de trabalhar esta questão e passa tudo pela literacia", reforçou, mostrando ainda que é necessário que fique claro como esta é uma população continua a fazer parte não só do presente, mas também do futuro da sociedade.


"Isto tem a ver com o desenvolvimento humano. [Os mais idosos] estão numa fase que ou estão muito ligados, ou não estão nada ligados e nós, como profissionais de saúde, temos duas estratégias: potenciar o desenvolvimento daqueles que estão ligados e ir buscá-los; converter os outros que não estão ligados. Nós temos de fazer isso e isso requer grandes desafios."


"Mas sem dúvida que eles têm de sentir que são importantes, que ainda dão as cartas. Há muitas iniciativas e projectos que lhes tira essas competências. Até podem infantilizá-los e isso é um problema já muito discutido. Não podemos ir por esse caminho, eles pertencem à sociedade, contribuem e são um factor essencial."


Reforçou ainda: "O envelhecimento da população está a aumentar bastante, portanto, temos de ter ferramentas para trabalhar com ela, no sentido de prevenir, não tanto de tratamento, mas mais de prevenção. Mas isso são estratégias de saúde, modelos teóricos de saúde, cada um tem os seus, mas está mais que comprovado que é essa a nossa aposta, a prevenção."


E, mais uma vez, o caminho da digitalização é inevitável, pois pode ter um papel essencial nessa prevenção.