Houve encontro no Algarve

  • 09-07-2019

Terminou esta sexta-feira, dia 5 de Julho, o projecto denominado #EnfermagemaoSul, constituído por visitas, durante quatro dias, aos hospitais e centros de saúde da região do Algarve. 

 

A iniciativa da Secção Regional do Sul (SRSul) da Ordem dos Enfermeiros, entre os dias 1 e 5 de Julho, visou fazer sentir a todos os Enfermeiros que têm uma Ordem a seu lado, que está com eles nos seus locais de trabalho, que os ouve e que com eles partilha todas as preocupações, quer as que afectam o exercício da sua profissão, quer ainda as que dificultam a aproximação à sua instituição reguladora. Neste âmbito, a direcção da SRSul, presidida pelo enfermeiro Sérgio Branco, considera os objectivos plenamente alcançados.

 

As visitas foram realizadas por várias equipas, de quatro ou cinco elementos, integradas por dirigentes da Ordem e por peritos em áreas relacionadas sobretudo com os cuidados de saúde primários.

 

Entre as preocupações mais ouvidas, relacionadas com o exercício da profissão, estão desde logo, o déficit de Enfermeiros na região que conta com cerca 2 600 Enfermeiros para uma população distribuída por 16 concelhos com cerca de 450 mil habitantes, mas que triplica na época alta do turismo.

 

Em média, existem na região seis enfermeiros por mil habitantes, média bastante abaixo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) que ronda os 9 Enfermeiros por 1000 habitantes. Nesta média algarvia incluem-se as unidades de saúde privadas, pelo que a média no Serviço Nacional de Saúde desce para os 4 Enfermeiros por 1000 habitantes, percentagem equiparada à média nacional. Mas, se contabilizarmos também os Enfermeiros que não estão afectos à prestação de cuidados, então a média na região é inferior a 4%. A nível de rácio, a Enfermagem em Portugal permanece na cauda da Europa.

 

Obviamente que estes números, muito abaixo das necessidades da população, se repercutem no dia a dia dos Enfermeiros, nomeadamente nas mais de dois milhões de “falsas horas extra” em dívida, que os profissionais acabam por não conseguir gozar.

 

Neste panorama de pressão, o que viram as equipas?

 

Ouviram os Enfermeiros queixarem-se que se sentem exaustos, desmotivados e a realizarem muitas horas extraordinárias. Estudos já apresentados apontam para elevadas taxas de ‘burnout’ - um em cada cinco Enfermeiros encontra-se, hoje, em estado de ‘burnout’.

 

Estas são as condições de trabalho ditas normais. Mas acontece que em períodos de veraneio a população triplica na região. Deveriam os serviços ser reforçados? Claro que sim… mas nem mais um enfermeiro foi acrescentado este Verão ao número já de si insuficiente…

 

As populações ficam naturalmente prejudicadas.

Se um enfermeiro goza férias, direito que o assiste em qualquer altura do ano, o serviço encerra ou, então, é substituído por um colega que se desloca ao local uma ou duas vezes por semana. Um serviço que funcionava todos os dias passa a funcionar uma ou duas vezes por semana… em qualquer altura do ano, mesmo quando a população triplica…. Isto acontece no Algarve.

 

Se um serviço para funcionar necessita de um determinado número de Enfermeiros e eles não são contratados, o serviço fecha camas. Num hospital da região vimos seis camas fechadas por falta de recursos humanos… Numa outra unidade de saúde vimos o serviço reduzido de 12 para sete horas…   Se não há Enfermeiros, diminui-se as horas de cuidados prestados… é assim que funciona o sistema…

 

Mas também vimos uma unidade de saúde ser encerrada porque a Enfermeira se reformou. Isto é o Algarve… o Algarve profundo que no Verão triplica a sua população…

 

Mas vimos mais, e bem mais perigoso. Por exemplo, em alguns serviços de urgência básicos, há Enfermeiros dos meios de emergência SIV com doentes atribuídos que, em caso de activação para uma emergência e não podendo abandonar o doente ao seu cuidado, poderá atrasar a resposta... Ou seja, há sempre alguém  prejudicado e, eventualmente, em perigo de vida… 

 

Vimos também projectos de intervenção na comunidade estarem parados porque ou não há viatura que leve os enfermeiros ao encontro das pessoas ou, se as há, estão paradas por falta de manutenção, algumas das quais por não terem sido inspeccionadas conforme exige a lei. Outras porque, puramente e simplesmente, não são higienizadas. Permanecem sujas….

  

Casos há em que uma só viatura serve a Unidade de Saúde de Cuidados Personalizados, a Unidade de Saúde Familiar e a Unidade de Cuidados na Comunidade. Claro que não pode estar em todas as solicitações. Muitos doentes e muitos projectos de envolvimento comunitário ficam com o apoio limitado...  Os Enfermeiros, na maior parte das vezes, têm de esperar que os colegas terminem as suas visitas para terem o transporte livre e depois avançarem para os seus trabalhos junto da comunidade.

    

Em algumas unidades também se constatou a inexistência de pessoal para limpar porque o contrato com a empresa de higiene caducara e ainda não fora renovado…. Viu-se lixo acumulado…  A questão da limpeza foi uma das mais referidas pelos Enfermeiros que, por vezes, se sentem a cuidar de pessoas em condições menos dignas… Há salas de tratamentos que não são limpas e que, por isso, correm o risco de ser encerradas…

 

Numa outra unidade vimos vários enfermeiros fazerem fila para poderem usar o computador para os registos clínicos…  Mas também detectamos unidades de saúde com um só Enfermeiro que faz todo o ciclo de vida: atende as grávidas, os bebés, os jovens, os adultos, e os idosos… se tira férias, é substituída por um colega que lá irá uma vez por semana, eventualmente duas…

 

Mas também vimos muitos enfermeiros a optarem pelo silêncio com medo de represálias. Os dirigentes da Ordem mostraram-se muito preocupados. Vivemos numa sociedade democrática… E foram muitos os enfermeiros que nos pediram para serem protegidos… com medo.

 

Mas também vimos gente muito alegre, muito empenhada, muito responsável, profissionais de mão cheia, muitos apostados em não largar a mão de ninguém… Viu-se e sentiu-se a atitude positiva da grande maioria dos Enfermeiros…. E este espírito de missão com que encaram o trabalho de todos os dias merece todo o respeito… e por isso, porque cuidam com o coração, entendem que merecem mais e maior consideração por parte de todos… Os Enfermeiros são o pilar do SNS… “E o SNS ainda funciona porque os Enfermeiros têm uma enorme respeito pelas pessoas…” – disseram-nos.

 

Esta iniciativa de visitar as unidades de saúde é o sinal visível do empenho da SRSul em cumprir uma das suas principais competências estatuídas como são não só a definição, enquanto Ordem, dos padrões de qualidade dos Cuidados de Enfermagem, mas também a de zelar pela observância desses mesmos padrões exigidos. Trata-se, pois, de um grande desafio para a SRSul, quer pelo reflexo na melhoria dos cuidados de Enfermagem a fornecer aos cidadãos, quer pela inerente e vantajosa necessidade de reflectir sobre o próprio exercício profissional dos Enfermeiros.

 

Por outro lado, compete às instituições de saúde adequar os recursos e criar as estruturas que permitam satisfazer as necessidades dos profissionais de saúde. As visitas tem também esse objectivo de pugnar para que haja o ambiente necessário que, possibilitando o bom exercício da prática da Enfermagem, corresponda às expectativas dos cidadãos. Esta é uma actividade que vai continuar a marcar a agenda da SRSul, pela Enfermagem e pelos cidadãos.

#EnfermagemaoSul vai continuar a acontecer pelos outros distritos da SRSul.

A comunicação social fez eco desta visita aqui, e aqui, e aqui, e aqui, e aqui