Enfermagem na linha da frente

  • 21-03-2022

Neste dia dirigimos o nosso olhar para a tuberculose, uma doença ainda conotada com a pobreza e a iliteracia em saúde. A SRSul saúda todos os Enfermeiros que no dia a dia do exercício profissional tudo fazem para que a ninguém seja recusado o acesso a cuidados de saúde seguros e de qualidade, independentemente da condição social e económica. E temos bons exemplos de dedicação e empenho. Apresentamos, desta vez, o testemunho de uma Enfermeira portuguesa, radicada na Suíça, que connosco partilhou a experiência de trabalho no dispensário antituberculoso localizado no Cantão de Vaude, demonstrando a centralidade da equipa de enfermagem no tratamento da doença, desde o rastreio até à cura. A versão completa deste depoimento, a não perder, será publicada na próxima edição da revista Cuida, da Ordem dos Enfermeiros. A SRSul, para assinalar este dia, adianta alguns pormenores para aguçar a curiosidade.

 

Ana Lúcia Carreira é pós-graduada em Saúde Comunitária e Promoção da Saúde e perita na área da tuberculose (TB) desde 2010. Licenciada em 2003 pela Escola Superior de Enfermagem Maria Fernanda Resende, encontra-se nesse momento a trabalhar num dispensário antituberculoso (DAT) no Cantão suiço de Vaud cuja capital é Lousanne. Um dado que nos revela é o seguinte: “Cerca de três quartos dos casos declarados na Suíça são de pessoas de origem estrangeira”.

 

Em Portugal, as maiores preocupações estão também  focadas nas comunidades imigrantes. Ver texto aqui

 

Esta realidade obrigou a que, na Suíça, todos os requerentes de asilo sejam submetidos a um rastreio sistemático que, até 2005, era realizado logo na fronteira com o teste de Mantoux e a radiografia do tórax (excepto as mulheres grávidas e as crianças). Depois, com a diminuição dos pedidos de asilo (de 48.057 em 1999 passaram para 14.248 em 2004), simplificou-se o controlo fronteiriço, fazendo-se apenas uma avaliação geral baseada num questionário clínico, orientado por uma equipa de enfermagem, sendo depois os requerentes encaminhados para observação num dos cinco centros especializados criados para o efeito.

 

Segundo a Enfermeira, os migrantes oriundos de países como Suazilândia, Costa do Marfim, República da Moldávia, Uzbequistão, Cazaquistão, Quirguistão e Tibete estão referenciados como grupos de risco muito elevado devido à alta incidência de TB nos países de origem e, por isso, são automaticamente submetidos ao referido controlo. Relativamente aos migrantes oriundos de outras regiões, a decisão do encaminhamento para um dos cinco centros especializados depende do resultado do questionário e da avaliação da equipa de enfermagem.

 

Ou seja, trata-se de uma enfermidade que continua conotada com a pobreza e a Suíça, país rico, continua a ser muito procurada pelos migrantes. O alerta sobre novos casos de TB é dado pelo serviço das doenças infecto-contagiosas ou pelo serviço de higiene hospitalar. A informação é enviada à equipa de enfermagem do DAT que, de imediato, vai ao encontro do doente para proceder a uma primeira anamnese. Depois, nunca mais a equipa de enfermagem larga o caso até estar completamente curado. Mas, e se as autoridades decidirem, entretanto, expulsar da Suíça o requerente de asilo? Para evitar essas expulsões durante o tratamento, foi criado um acordo entre o serviço da saúde pública e o serviço de migração.

 

“Sendo a TB uma doença com implicações económico e sociais, para além da equipa médica, nós trabalhamos em estreita colaboração com uma assistente social. O seu papel é extremamente importante no que diz respeito à identificação de factores de risco (económicos, habitacionais, socioambientais...) que possam colocar em risco uma boa adesão ao acompanhamento e ao tratamento”, conta a Enfermeira.

 

O doente passa, no mínimo, 15 dias no hospital. “É o tempo necessário para se estruturar, da melhor forma possível, a alta hospitalar, de começar a tecer uma relação de confiança e de identificar possíveis obstáculos ao bom desenrolar do seguimento. O facto de a nossa intervenção se iniciar no contexto hospitalar é, sem dúvida, uma mais valia”, explicou.

 

A equipa de enfermagem do DAT está também presente na comunidade, mantendo a ponte entre o serviço hospitalar e a rede de cuidados ambulatórios. Depois, há uma vertente do cuidar que a Enfermeira adianta e que é próxima do contexto português, pois entre nós coexistem igualmente comunidades de distintas origens socioculturais.

 

Conta Ana Lúcia Carreira. “A nossa abordagem de cuidadores integra uma sensibilidade perante as culturas às quais pertencem os nossos doentes.  O quotidiano deste serviço reflecte o universo pluralista no qual vivemos. Os intensos movimentos migratórios mostram-nos a importância dos conhecimentos sobre esta problemática. Este aspecto tem um papel central, pois o objectivo é o de melhorar alguns dos determinantes da saúde, independentemente do estatuto do doente”.

 

É surpreendente este testemunho sobre a centralidade de uma equipa de enfermagem na organização dos sistemas, demonstrando, ao mesmo tempo, a importância da prática da enfermagem avançada nos cuidados de saúde.

O que faz esta equipa de enfermagem do DAT, e como está organizada, surge muito bem explicado pela Enfermeira Ana Lúcia Carreira num trabalho que vai  ser divulgado pela revista Cuida, da Ordem dos Enfermeiros. Vale a pena ler.

 

Neste dia, a direcção da SRSul, com o Conselho de Enfermagem Regional, querem agradecer aos Enfermeiros o empenho no tratamento desta doença que afecta sobretudo os menos protegidos, deixando votos para que em Portugal ninguém fique excluído dos cuidados de saúde por causa da condição social e económica.

 

Prevê-se nos próximos anos um recrudescimento do número de casos de tuberculose em Portugal. Veja aqui

 

Citando Ghebreyesus, Director Geral da OMS, “a luta contra a TB não é apenas a luta contra esta doença. É também a luta para acabar com a pobreza, a desigualdade, a discriminação, a estigmatização, e para alargar a protecção social e a cobertura universal de saúde. Se há uma coisa que a pandemia nos ensinou é que a saúde é um direito humano e não um luxo para aqueles que o podem ter.”

 

Obrigado Enfermeiros