Dia Mundial da Luta Contra a SIDA: a importância da investigação

  • 01-12-2023

Há quatro décadas, Portugal conhecia os primeiros casos de infecção por VIH. Desde então foram notificados 66 061, dos quais 23 637 atingiram o estádio SIDA. Há 15 779 óbitos reportados em pessoas que viviam com VIH. O Vírus da Imunodeficiência Humana foi um dos mais assustadores. No entanto, desde o virar do século que a realidade ganhou contornos bem diferente, muito graças à forte aposta na investigação. 

 

Os números demonstram uma constante redução de novos casos, mas tal não significa que a luta não continue, pois não há cura para o VIH/SIDA, ainda que sejam várias as formas que proporcionam qualidade de vida e longevidade. Actualmente já não é uma sentença de morte.

 

"Sem qualquer dúvida que a investigação nas diferentes áreas científicas foram cruciais na gestão da infecção por VIH. Volvidos cerca de 40 anos desde o reporte dos primeiros casos, foram feitos progressos significativos na compreensão do vírus, conhecimento das vias de transmissão, no tratamento e na prevenção", realça Rui Filipe Guerreiro, Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central.

 

"A investigação contribuiu entre outros aspectos, para o desenvolvimento da medicação anti-retroviral de alta eficácia, que permite que as pessoas vivam mais anos de forma mais saudável. Embora ainda não haja cura para o VIH, os avanços alicerçados na investigação, contribuíram para a transformação da trajectória da infecção no sentido da cronicidade, quando inicialmente era fatal", acrescentou.

 

Neste Dia Mundial da Luta Contra a SIDA, o Enfermeiro Rui Filipe Guerreiro – que desenvolveu o projecto "Gestão de saúde da pessoa idosa que vive com VIH: intervenção especializada de enfermagem" – destaca outro ponto: "Considero que, a par da investigação científica, também os movimentos de activismo e as diferentes formas de expressão artística foram e são essenciais na modificação da percepção do VIH como punição/castigo ou condenação; muito associada à moralização de práticas de vida não normativas."

 

As conquistas mais significativas

 

Os anos 80 e 90 do século XX ficaram marcados pelo aparecimento de um vírus com uma elevada taxa de mortalidade e com a infecção a propagar-se por todo o mundo. Porém, segundo o relatório das Nações Unidas (UNAIDS), desde o pico de infecções por VIH em 1995, estas diminuíram 59%. Em 2022, houve cerca de 1,3 milhões de novas infecções. Em 1995 foram cerca de 3,2.

 

39 milhões de pessoas viviam com VIH em 2022, com os óbitos relacionados com a SIDA a serem cerca de 630 mil.

 

Em Portugal, o relatório recentemente publicado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e Direcção-Geral da Saúde (DGS) – "Infecção VIH em Portugal – 2023" – revela que há uma redução de 56% de novos casos de infecção por VIH e 74% de SIDA entre 2013 e 2022. Foram notificados 804 casos de infecção por VIH com diagnóstico em 2022, segundo dados recolhidos a 30 de Junho de 2023. Foram comunicados 151 óbitos em pessoas que viviam com VIH, sendo que em 29,8% dos casos, o diagnóstico foi feito há mais de 20 anos.

 

"Existem várias conquistas significativas que devemos à investigação e ao investimento de vários países (onde Portugal se inclui) na resposta ao VIH como problema de saúde global. Podemos destacar a identificação do vírus que permitiu a melhor compreensão da infeção e a implementação de estratégias de diagnóstico e tratamento. Também o desenvolvimento da medicação anti-retroviral de alta eficácia que contribuiu para o aumento da qualidade de vida das pessoas, através de esquemas terapêuticos eficazes, mais simplificados e melhor tolerados", refere o Enfermeiro Rui Filipe Guerreiro.

 

"Mais recentemente, é impossível negar a relevância da consolidação das intervenções medicamentosas na redução da probabilidade de transmissão do VIH nas práticas de maior risco, como as profilaxias pré e pós exposição."

 

"Ainda no domínio medicamentoso, a investigação desenvolvida os últimos 20 anos, contribuiu para que atualmente a evidência sustente que o risco de transmissão do VIH de uma pessoa sob tratamento anti-retroviral eficaz e com carga viral indetectável há pelo menos seis meses por via sexual é nulo. Ou seja, 'indetectável = intransmissível', tal como já reconhecido recentemente pela Organização Mundial da Saúde", salienta.

 

Os números em Portugal

 

Apesar da tendência decrescente de novos casos em Portugal desde o virar do século, o país continua com uma elevada taxa de infecção por VIH e SIDA entre os países da Europa Ocidental. A Área Metropolitana de Lisboa regista a maior taxa de novos diagnósticos, seguida pela região do Algarve e do Norte.


"Na Europa Ocidental, Portugal (a par dos países Bálticos) continua a destacar-se pela elevada taxa de novos casos. Independentemente do contexto geográfico, a infecção por VIH tende a concentrar-se nos grandes centros urbanos e em grupos populacionais específicos, actualmente denominados por populações-chave. Estes grupos populacionais representam mais de 60% das infecções."


"São consideradas populações-chave os homens que fazem sexo com homens, pessoas que fazem sexo comercial e os seus clientes, pessoas que utilizam drogas por via injetada, pessoas de género diverso (especialmente mulheres trans) e pessoas que vivem em prisões e outros ambientes fechados."

 

"Estas populações experienciam barreiras legais, políticas e determinantes estruturais e sociais ao acesso aos cuidados de saúde que aumentam a sua vulnerabilidade ao VIH e outras infecções sexualmente transmissíveis."


"Assim, o estigma que afeta as populações-chave, pode contribuir para o cenário que observamos em Portugal, nomeadamente no número elevado de novos diagnósticos em homens que fazem sexo com homens de idades mais jovens; ou ainda, em pessoas pertencentes às populações-chave e que cumulativamente vivenciam outros estigmas, como por exemplo o ageísmo."

 

O VIH/SIDA na população mais idosa

 

No âmbito do curso de mestrado em enfermagem, na área de especialização em Enfermagem Médico-Cirúrgica, Rui Filipe Guerreiro desenvolveu o projecto "Gestão de saúde da pessoa idosa que vive com VIH: intervenção especializada de enfermagem".


De referir que o recente relatório do INSA e DGS volta a alertar para a elevada taxa destes diagnósticos tardios, com 23% dos novos casos serem de pessoas com idade igual ou superior a 50 anos.


"Um dos principais motivos para o seu desenvolvimento prendeu-se com a constatação da transformação sociodemográfica mundial caracterizada pelo rápido envelhecimento populacional. Paralelamente, com o aumento da acessibilidade à medicação anti-retroviral de alta eficácia, aumentou a esperança média de vida das pessoas que vivem com VIH. Na maior parte dos países onde há acesso à medicação, observa-se pela primeira vez, o surgimento da primeira geração de pessoas com 50 ou mais anos que vivem com VIH", começa por explicar.


"Estas pessoas têm maior prevalência de comorbilidade, síndromes geriátricos e estigma que se podem traduzir em menor qualidade de vida. Embora as suas necessidades sejam complexas, os sistemas de saúde ainda mantêm uma abordagem episódica e centrada no controlo imunitário e virológico."

 

"Para dar resposta às suas necessidades é necessária uma abordagem centrada na pessoa, implicando capacidade de resposta e sensibilidade às necessidades e preferências individuais, incluindo as específicas das populações-chave", afirma.


Rui Filipe Guerreiro frisa que "uma das atividades do projeto passou por realizar uma revisão scoping com o objetivo de identificar as intervenções de enfermagem relevantes para o projecto e a intervenção foi orientada pelo Modelo de Cuidados Centrado na Pessoa." Desta forma, "emergiram aspetos relativos à saúde sexual, violência (com especial enfoque nos problemas relativos ao estigma provenientes do ageísmo e do VIH), solidão, capacitação para a autogestão e participação ativa na tomada de decisão em saúde."


O Enfermeiro Rui Filipe Guerreiro concorda na necessidade de haver um "maior investimento na literacia em saúde e na capacitação dos profissionais no sentido de não negligenciarem a saúde sexual das pessoas idosas".

 

E reforça: "A percepção social de que a atividade sexual deve diminuir ou desaparecer à medida que as pessoas envelhecem é uma concepção irreal e que pode conduzir ao diagnóstico tardio de infecções sexualmente transmissíveis, incluindo o VIH."

 

A pergunta que persiste: para quando uma cura?


"Apesar dos avanços significativos nos 40 anos da história evolutiva do vírus, a cura e o desenvolvimento de uma vacina eficaz ainda não foram alcançados devido às características de latência do vírus e à sua variabilidade genética", diz Rui Filipe Guerreiro.


"Seja no sentido de se encontrar a cura para o VIH, no aumento da qualidade de vida ou até no aumento da esperança média de vida das pessoas que vivem com VIH; será sempre necessária uma abordagem integrada, colaborativa e centrada nas populações-chave, no propósito de terminar a pandemia por VIH/SIDA como problema de saúde pública até 2030, tal como definido nos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas", conclui.


Pode ver aqui o relatório do INSA e da DGS: "Infecção VIH em Portugal – 2023".