Enfermeiros fazem a diferença

  • 13-11-2020

Assinala-se, este sábado, o Dia Mundial da Diabetes. É a maior campanha de sensibilização para esta problemática em todo o planeta. A SRSul saúda e une-se à Federação Internacional de Diabetes (IDF) que elegeu como tema para este ano: “Diabetes: os Enfermeiros fazem a diferença”.

 

“Não poderia estar mais de acordo. A Enfermagem faz toda a diferença na vida de muitos e não só na vida de quem tem diabetes. Também nas famílias e na comunidade fazemos sentir a nosso valor”, diz Sandrina Reis Fadista. Desde 2012 que esta Enfermeira do Hospital Beatriz Ângelo integra a equipa das consultas externas, designadamente a consulta de enfermagem de diabetes, trabalhando em equipa com enfermeiros, pediatras, obstetras, endocrinologistas, internistas e nutricionistas no acompanhamento da pessoa com diabetes nas várias fases do seu ciclo de vida.

 

“Sentimos, nas várias áreas em que atuamos, dificuldades, desafios, resistências. A juntar a tudo isto, estamos a enfrentar um ano muito duro, onde o medo, a incerteza, a angústia refletidas nos olhos de quem cuidamos, são também sentimentos que nos acompanham diariamente. Somos, sem dúvida, ‘gente que cuida de gente’, com arte, com competências técnicas, relacionais, éticas e culturais em prol do bem-estar das pessoas, famílias e comunidades”, afirma.

 

No Hospital Beatriz Ângelo existe uma consulta de enfermagem de diabetes desde 2012. Os doentes são ali acompanhados nas várias fases do ciclo de vida. A pessoa, sempre no centro dos cuidados, é estimulada a ser um agente ativo na gestão diária da sua diabetes, em estreita colaboração com a equipa multidisciplinar.

 

Sandrina Fadista explica: “Temos por base a educação terapêutica, que é um processo que se faz por etapas, de forma a ajudar o utente a adquirir ou manter as competências de que precisam para melhor gerir a sua vida. Este acompanhamento é feito em consulta individual, e até ao início do ano 2020 também realizávamos sessões de educação em grupo. Com a ajuda de materiais pedagógicos, as pessoas eram motivadas a expor as suas dúvidas, a desenvolver competências e aprendizagens, onde a enfermeira tem o papel de facilitadora de todo o processo - não dá resposta, mas leva-os a chegar às suas respostas”.

 

Desde o ACES de Sintra, Carlos Mateus, coordenador do Centro de Feridas Complexas, acrescenta: “O Enfermeiro é um elemento fundamental no cuidado a estas pessoas, pois, focado na educação para a saúde individualizada e no conhecimento dos fatores de risco, baseado num atendimento diferenciado e contínuo, permite delinear estratégias de prevenção das complicações associadas a este problema de saúde”.

 

Carlos Mateus adiantou ainda: “A relação de proximidade que se adquire numa consulta de enfermagem, permite recorrer aos cuidados preventivos e minimizar algumas das consequências mais graves, como amputações, cegueira ou falência renal. E confessa: “Como enfermeiro dos cuidados de saúde primários, e, desde 2000, focado na melhoria contínua de cuidados a esta população, sinto orgulho em saber que, ao longo destes anos, algumas das minhas intervenções contribuíram para evitar amputações ou diminuir a sua gravidade”.

 

Acrescenta ainda: “Gostaria de frisar que, antes de ingressar nos cuidados de saúde primários, a minha relação com a pessoa com diabetes se cingia à minha atividade em bloco operatório, e que se resumia a presenciar amputações, altamente mutilantes para essas pessoas, com inegáveis consequências futuras na qualidade de vida e até na sua esperança de vida. Daí que, ao ter vindo para os cuidados de saúde primários, a possibilidade de apostar na prevenção dessas situações contribuiu muito para o meu desenvolvimento de competências na área de prevenção e cuidados a estas pessoas”.

 

Os benefícios da proximidade são também testemunhados por Ana Teresa Henriques. Diz esta Enfermeira da Unidade de Saúde Familiar (USF) Descobertas: “No início da minha atividade profissional na USF, em 2010, estávamos organizados e distribuídos por programas de saúde, tendo-me sido atribuído a responsabilidade dos programas de hipertensão arterial e diabetes. Foi um desafio bastante interessante. Tinha exercido as minhas anteriores funções, depois do serviço de urgência, nos cuidados de saúde primários nas áreas de vacinação, saúde infantil e saúde escolar. Foram anos de trabalho mais próximo de crianças, adolescentes e jovens. Agora, na USF, os programas envolviam sobretudo adultos e idosos, mas tornou-se um desafio muito interessante. O mais importante era o estabelecimento da relação de empatia e confiança com o utente/paciente. O utente necessita de sentir que o tempo daquela consulta é o seu tempo, onde pode colocar as suas dúvidas, as suas dificuldades, as suas inquietações. Da minha parte foi necessário investir tempo em formação, a qual se tornou uma mais valia na relação terapêutica com o utente”.

 

Atualmente, no mundo, uma em cada 10 pessoas tem diabetes. A cada dia que passa, este número tem tendência a aumentar, sendo também a diabetes considerada uma pandemia. Ao contrário da pandemia viral que hoje, infelizmente, é notícia, a diabetes é silenciosa, mas não pode ser esquecida pela morbilidade, mortalidade e impacto nos sistemas de saúde.

 

Os Enfermeiros representam mais de metade da força global em saúde. Com a campanha deste ano, a IDF, pretende aumentar a consciência sobre o papel crucial que os Enfermeiros desempenham no acompanhamento às pessoas que vivem com diabetes, na prevenção da doença e na promoção de estilos de vida saudável. É urgente que sejam estabelecidas condições para conseguir intervir no maior número de pessoas.

 

Ao nível dos cuidados de saúde primários, o Enfermeiro tem um papel privilegiado na proximidade com a população.

 

Diz a Enfermeira Sandrina Fadista. “Este papel é importantíssimo não só na prevenção da diabetes, mas também na promoção de estilos de vida saudáveis”. Por exemplo – explica - “o Enfermeiro de saúde escolar ao trabalhar nas escolas em parcerias com os professores, tem um papel muito ativo na promoção de hábitos de vida saudáveis nas crianças, que por sua vez irão influenciar a família”. Por outro lado, acrescenta, “o Enfermeiro que desenvolve a sua actividade no centro de saúde, sendo Enfermeiro de família ou não, tem um papel fundamental na deteção da população de risco (pessoas sedentárias, com excesso de peso, com história familiar de diabetes, etc), assim como no acompanhamento da pessoa que já tem diabetes e que não necessita de cuidados diferenciados hospitalares”.

 

Sobre esta matéria, interessa também ler o que nos disse a Enfermeira Ana Teresa Henriques: “Desde 2013, na USF, passámos a trabalhar como Enfermeiro de Família. Passei a ter a mesma lista de utentes que pertence ao médico com quem trabalho diretamente, tendo a oportunidade de acompanhar os utentes e famílias desde o “nascimento até à morte”. Esta mudança na organização do trabalho quotidiano determinou que muitos dos utentes que eram por mim seguidos nas consultas passassem a ser seguidos pelo seu respetivo Enfermeiro de Família. Assim também eu comecei a estar mais integrada relativamente ao enquadramento de cada utente da minha lista, no seu contexto e envolvimento familiar, social e cultural. Sempre que possível, o envolvimento da família no processo terapêutico pode ter um efeito muito positivo e enriquecedor no seguimento dos utentes”.

 

Mas, Carlos Mateus levanta questões que o preocupam ao nível dos cuidados de saúde primários.

Diz o Enfermeiro: “A reforma estrutural e organizacional dos cuidados de saúde primários tem levantado algumas dificuldades na abordagem centrada no utente. A mudança implicou uma diminuição do tempo destinado para a consulta, em detrimento do tempo destinado para os registos. Por outro lado, os registos produzidos ainda estão muito voltados para a monitorização dos indicadores estabelecidos para a diabetes. Os Enfermeiros têm vindo a verbalizar que o tempo dedicado à consulta é escasso, não permitindo uma abordagem holística e potenciadora da autogestão da diabetes dessa pessoa, bem como dificuldades na realização de cuidados de enfermagem necessários à pessoa com diabetes, nomeadamente no tratamento da prevenção de lesões pré-ulcerativas do pé”.

 

Segundo Carlos Mateus, “os próprios registos não espelham o trabalho realizado, dando pouca visibilidade aos cuidados de enfermagem prestados à pessoa com diabetes”.

 

O tempo passado com a pessoa é sempre uma questão de difícil debate. Diz a Enfermeira Ana Teresa Henriques: “No quotidiano deparamo-nos frequentemente com questões ligadas à escassez de tempo para podermos por em prática certas atividades. Mas, a nossa intervenção como enfermeiros é muito importante. Quando confrontado com a necessidade de iniciar insulina, o utente, por norma, reage apreensivamente, pensando que sua situação de saúde /doença já ‘se encontra no fim da linha’, que já ‘não há mais nada a fazer’… Cabe-nos a nós a tarefa, o discernimento e a clareza necessária para desmistificar esta falsa questão, dar reforço positivo ao utente e levá-lo a aceitar que será capaz de fazer um tratamento com benefícios para a sua saúde”.

 

A pandemia da doença Covid-19 está a provocar problemas acrescidos. As pessoas têm receio de se deslocar às instituições de saúde, deixando arrastar situações que poderiam ser solucionadas de forma mais atempada. Na dúvida - a quem recorrer e como o fazer, e o medo de ir às instituições de saúde -, muitos são os que se sentem perdidos, isolados e com a sua diabetes descompensada, pelas muitas circunstâncias da vida.

 

Com o objectivo de manter a proximidade do acompanhamento das pessoas com diabetes, seguidas na consulta de enfermagem, foi fundamental o recurso às teleconsultas. Isto acontece no Hospital Beatriz Ângelo.

 

Diz a Enfermeira Sandrina Fadista: “O facto de ser disponibilizado um contacto de telemóvel a todas as pessoas que seguimos, logo na primeira consulta de enfermagem, foi fundamental para que pudessem pedir ajuda e apoio neste panorama actual. As plataformas digitais, que actualmente são disponibilizadas para descarregar os valores de glicemias de muitos glucómetros e monitorizações contínuas de glicemias, foram também uma mais valia no acompanhamento à distância de muitos utentes”.

 

Segundo a Enfermeira, estas estratégias possibilitam identificar precocemente algumas situações de possíveis complicações e fazer-se o seu encaminhamento necessário. Diz: “Estes são alguns exemplos para demonstrar a necessidade de nos reinventarmos, para melhor acompanhar as pessoas com diabetes”. E sublinha: “Neste momento de grande indefinição para todos, necessitamos de promover estratégias de segurança para que a pessoa, na gestão diária da sua diabetes, saiba identificar situações de risco, se sinta apoiada no meio do isolamento por muitos vividos”.

 

Também Carlos Mateus afirma a sua grande satisfação pelo trabalho que está a realizar. Conforme nos explicou, o Centro de Feridas Complexas do ACES resulta de um projeto desenvolvido nos últimos anos e que havia sido candidato ao prémio Missão Continente- 2016. Com a designação “PASSO EM FRENTE - Equipa de apoio à pessoa com Diabetes e utentes com feridas complexas”, o projeto acabou premiado com um incentivo financeiro de 15 mil euros. Este apoio permitiu a aquisição de equipamento diferenciado para prestar cuidados preventivos e de tratamento aos pés da pessoa com diabetes. O projeto encontra-se implementado e a funcionar desde novembro de 2017, tendo como objetivo aumentar a literacia em saúde na área da diabetes, capacitação da pessoa com diabetes para o autocuidado e dar resposta a qualquer utente diabético do ACES Sintra que apresente uma situação de pé de alto risco e tenha dificuldade em encontrar resposta na sua unidade funcional. Este projeto foi finalista do Prémio de Boas Práticas em Saúde em 2019 (entre 107 projetos), tendo sido contemplado com um certificado de boa prática em saúde pela Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar (APDH).

 

Os Enfermeiros sempre na linha da frente. Afirma Carlos Mateus: “Este meu percurso pode ser demonstrativo da importância do trabalho do Enfermeiro e da importância da enfermagem enquanto disciplina e arte de cuidar junto da pessoa com diabetes”.

 

Entre as atividades desenvolvidas na Unidade de Saúde Familiar Descobertas, com grupos de diabéticos, destaca-se o programa “Juntos é mais fácil”, caminhadas e sessões sobre “alimentação saudável no contexto da diabetes”. Estas iniciativas tiveram grande adesão da parte dos utentes e familiares. “Na USF gostaríamos de continuar a poder por em prática estas iniciativas”, diz Ana Teresa Henriques que também adianta: “ Da minha experiência profissional parece-me que os encontros em grupo de utentes com as mesmas patologias podem ser muito positivos para partilha de dúvidas e experiências. Garante a Enfermeira que “os utentes aderem com entusiasmo a estas iniciativas, bem como a outras mais de cariz prático, como uma caminhada e a consciencialização da importância da atividade física no controlo da sua patologia/ doença”.

 

Para o presidente da SRSul, a entrega destes Enfermeiros, tal como a de todos os que nas diversas áreas dignificam a profissão, é o exemplo da abnegação que caracteriza a enfermagem na sua essência. Sérgio Branco, citando dados do Observatório Nacional da Diabetes, lembra que nos primeiros seis meses de pandemia a hospitalização para a população diagnosticada com covid-19 foi de 14,5%, enquanto nas pessoas com diabetes essa percentagem subiu para 43,3%, o que corresponde a três vezes mais. Neste sentido, apela para que neste Dia Mundial da Diabetes os olhares se dirijam para as outras realidades que a covid-19 pode esconder. O presidente da SRSul saúda também a Federação Internacional de Diabetes que escolheu como tema para este ano: “Diabetes: os Enfermeiros fazem a diferença”. Esta homenagem a todos os Enfermeiros que trabalham nesta área contou com o contributo do Conselho de Enfermagem Regional da SRSul, organismo presidido pelo Enfermeiro Marco Job Batista.