Faltam Enfermeiros no IPO Lisboa

  • 03-02-2022

“No Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa o problema é mesmo a fixação dos profissionais de saúde. As estimativas do plano de atividades do IPO apontavam para 2.309 profissionais de saúde no final de 2021, mas totalizaram 2.009. A falta é mais acentuada nos enfermeiros”. Quem o afirma é o presidente da instituição, João Oliveira, a propósito do Dia Mundial do Cancro que se assinala esta sexta-feira, advertindo em entrevista à agência Lusa: “Ou encaramos, a nível nacional, de uma maneira completamente diferente as carreiras, as remunerações, os incentivos, não só financeiros, dos profissionais, ou então estamos automaticamente, mesmo que seja involuntário, a privilegiar a prestação privada”.

 

João Oliveira observou que a complexidade das técnicas para fazer diagnóstico e tratamento do cancro e de outras doenças exige “mais profissionais e não menos”.

 

“Há que perceber que, aumentando a complexidade do que fazemos para benefício dos doentes e para a segurança deles, tem que haver uma sincronização, o ‘matching’ adequado entre as diferentes profissões e as diferentes carreiras”, defendeu.

 

Na sua opinião, não haver “uma atenção particular” às carreiras e o facto de haver “muitas discrepâncias” faz com que haja “insatisfações que vão prejudicar o trabalho”.

 

“Isto é um desperdício de eficiência”, disse, elucidando que numa cadeia de cuidados que conta com médicos e enfermeiros “muito especializados”, quando falta um elemento de uma profissão menos especializada, como um assistente operacional, desperdiça médicos, enfermeiros e tecnologias.

 

Para João Oliveira, esta situação tem de ser compreendida, defendendo que não se pode encarar um hospital como se encaram outras instituições em que possa haver uma menor especialização.

 

“Existe a desconfiança, se calhar, de alguns setores de que o Serviço Nacional de Saúde desperdiça meios, nomeadamente meios humanos e que tem gente a mais e que deve ser restringido”, descreveu, contrapondo: “Não é verdade no Instituto de Oncologia é não é verdade, penso eu, em nenhum sítio”.

 

 

Diagnósticos tardios

João Oliveira afirmou que os profissionais de saúde alertam para doentes com situação mais graves devido a diagnósticos tardios na sequência da pandemia de covid-19 e que têm de ser fundamentados.

 

“Temos que ver com a análise mais detalhada dos registos que temos, nomeadamente os que dizem respeito ao estadiamento das doenças, à entrada no Instituto, e vamos com certeza estudá-la e será objeto de investigação”, avançou o presidente do Conselho de Administração do Instituto Português de Oncologia de Lisboa.

 

Apesar de ter havido menos referenciações de doentes, sobretudo dos cuidados de saúde primários, que estiveram mais dedicados à pandemia, “a mudança não foi enorme”.

 

“Foi mais notória nos meses de abril e maio de 2020, mas depois foi relativamente retomada”, afirmou, ressalvando que “o IPO é pouco sensível a essas variações” porque geralmente recebe “doenças mais complexas, doenças mais avançadas” que, por isso, “se declaram de qualquer modo e acabam por ser referenciadas”.

 

De um modo geral, a referenciação até aumentou porque o IPO não recebe apenas os doentes reencaminhados pelos médicos de família, o que teve como consequência o aumento da atividade na maior parte das vertentes do instituto, explicou.

 

Questionado sobre as listas de espera para cirurgia, João Oliveira disse que, devido a “um grande esforço” de todos os profissionais e de organização, tem sido conseguido que estas não aumentem. “Nalguns casos, até diminuímos quer o número de doentes em espera para cirurgias quer o tempo de espera”, assinalou.

 

“Agora, não é fácil fazer desaparecer as listas de espera com as dificuldades que vamos tendo” devido à falta de profissionais e à “quantidade de solicitações que se mantêm”, reconheceu.

 

“O que é claro é que a necessidade que temos de aumentar a nossa atividade não vai ser possível enquanto não puder haver outra abordagem da questão do recrutamento pessoal e da respetiva diferenciação”, realçou.

 

João Oliveira observou que, mesmo que seja preciso esperar “um pouco mais” pela cirurgia, os doentes preferem ser operados no IPO.

Em 2021, o IPO emitiu 1.947 vales-cirurgia para os doentes serem operados noutra instituição para não exceder o prazo legal de agendamento e apenas 48 doentes aceitaram o vale.

 

João Oliveira apontou que continuam a chegar ao IPO doentes dos hospitais privados porque o ‘plafond’ do seguro de saúde se esgotou ou porque precisam de uma terapia específica.

 

No seu entender, esta situação demonstra que “há uma diferença muito grande entre a prestação de cuidados no Serviço Nacional de Saúde, cujo objetivo é tratar as pessoas, e os prestadores privados, cuja principal motivação, mesmo que tenha uma prática muito correta, é obter lucro pela sua atividade”.

 

“A necessidade de obtenção do lucro faz com que haja determinadas atividades que não sejam interessantes e, portanto, essas será o SNS a prestá-las”, salientou.

 

Para João Oliveira, o SNS como existe tem tudo o que é preciso para funcionar bem.

 

“Não é preciso inventar nada e as melhorias não têm que ir a reboque da pandemia, mas a pandemia deu-nos muitos exemplos e sobretudo mostrou que este tipo de organização que é a do Serviço Nacional de Saúde, do inglês, etc. corresponde à forma mais eficiente de concretizar o direito aos cuidados de saúde que está consignado na Constituição”, vincou.

 

Agora, defendeu, os mecanismos excecionais que foram usados na pandemia têm de se tornar mecanismos sistemáticos do SNS.

 

O IPO de Lisboa recebe, em média, anualmente quase 20 mil novas referenciações de doentes. Em 2021, foram pouco mais de 18 mil, um número “muito grande” de doentes em que a maior parte fica de a ser seguido na instituição.

 

Em média, são acompanhamos anualmente entre 50 a 60 mil doentes oriundos sobretudo na zona sul do país. “Mas temos doentes desde Monção a Vila do Bispo, das ilhas [Madeira e Açores] e dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa”.

 

Mais despesa em medicamentos

A despesa do IPO de Lisboa com medicamentos aumentou 50% nos últimos três anos, representando atualmente cerca de dois terços dos gastos da instituição.

“Podemos dizer que gastamos dois terços em medicamentos e, se calhar, os medicamentos não têm dois terços da importância no tratamento do cancro, nomeadamente nos tumores não hematológicos, que é essencialmente cirúrgico”, observou João Oliveira.

 

O médico oncologista salientou que a cirurgia é o tratamento e até a cura da maior parte dos cancros, mas admitiu que esta despesa com medicamentos “é inevitável” e que “não é um problema específico do IPO de Lisboa, não é um problema específico de Portugal, mas é um problema”.

 

Analisando a evolução da despesa com medicamentos nos últimos três anos, precisou que, em 2019, foi de 46 milhões de euros, em 2020 aumentou para 53 milhões e no ano passado a estimativa aponta para um valor acima de 66 milhões.

 

Sobre as razões deste aumento, afirmou: “O número de doentes tratados não aumentou, o que aumentou foi o número de medicamentos que é aplicado a cada doente e aumentou sobretudo o preço unitário dos medicamentos”.

 

“Não há nenhum medicamento que venha mais barato do que o anterior e, muitas vezes, medicamentos que se tornam mais baratos, porque já são mais antigos, são substituídos sempre por medicamentos mais novos e mais caros, às vezes, sem um acréscimo correspondente de benefício”, sustentou.

 

Mas, disse, “é assim que o mercado funciona. O que é certo é que quer em Portugal quer nos outros países não parece ter diminuído a disponibilidade para pagar”.

 

João Oliveira sublinhou que as empresas farmacêuticas vão colocando os medicamentos no mercado ao preço que percebem que quem compra está disposto a pagar e, vincou, “tem sido impossível até agora romper esta cascata”.

 

“Há ‘démarches’ a nível europeu e a nível internacional, mas não vi grandes resultados. É quase um fatalismo”, criticou.

Questionado se a despesa também aumentou por serem medicamentos inovadores, comentou que geralmente quando nascem já vêm com “cara inovadora” e já vão ser pagos como inovadores.

 

“Também é um vício de prática que precisava ser corrigido e que eu espero que a literacia sobre a saúde, o conhecimento e a compreensão do que se passa exatamente na prestação de cuidados venha a corrigir isto no futuro, mas é um caminho prolongado”, lamentou.

 

O presidente do IPO de Lisboa notou que enquanto cada nova contratação “é escrutinada finamente” pelos ministérios da Saúde e das Finanças, mesmo que seja para empregar uma pessoa com o ordenado mínimo, já no que respeita a “esta enorme despesa com medicamentos há muito pouco escrutínio”.

Lusa