Posição da OE sobre “testamento vital”, ontem apresentada, visa «proteger a última vontade» da pessoa

1 de Outubro de 2011 – Cerca de 350 enfermeiros ficaram ontem a conhecer a Tomada de Posição do Conselho Jurisdicional (CJ) da Ordem dos Enfermeiros (OE), relativamente à Declaração Antecipada de Vontade, vulgarmente conhecida por “testamento vital”, no decurso do XII Seminário de Ética da OE. Trata-se de uma matéria que a OE tem vindo a acompanhar de perto e sobre a qual irá endereçar nos próximos dias a sua posição à Comissão Parlamentar de Saúde. Recorde-se que foram aprovados recentemente projectos-lei na Assembleia da República sobre este assunto e que serão, muito em breve, debatidos na especialidade.

«O nosso contributo para o testamento vital tenta salvaguardar a última vontade manifestada livremente pela pessoa em situação de fim de vida. Já após um “testamento vital” escrito poderá haver uma mudança de opinião da pessoa que não podemos anular. É frequente uma mudança de opinião poucas horas antes da morte ou a transmissão posterior de uma última vontade a familiares. Nós, enfermeiros, acreditamos que devemos procurar toda a informação, em variados suportes, sobre a última vontade da pessoa e não apenas aquela que está registada por escrito, e que poderá ter sido feita num período temporal muito precoce à doença de uma pessoa», sublinhou ontem o Enf.º Sérgio Deodato, Presidente do Conselho Jurisdicional da OE.

«Se o “testamento vital” tiver carácter absoluto não permitirá a revogação pelo próprio cidadão, através de qualquer meio, ou em qualquer tempo. Conduzirá também a um certo facilitismo na decisão dos profissionais de saúde, que se cingiriam apenas a um documento escrito, sem poder procurar novas circunstâncias que se possam ter alterado na vida de uma pessoa e que a conduziria a uma mudança de opinião», alertou a Enf.ª Fátima Figueira, Presidente do CJ da Secção Regional do Sul da OE.

A enfermeira adiantou também que em relação à figura do “procurador de saúde”, a OE tem posição muito idêntica, defendendo que este «não deve ter um carácter mandatório e absoluto».

Foi ontem consensual entre os enfermeiros que «decidir sobre cuidados em fim de vida» é particularmente «difícil». Estes profissionais de saúde voltaram a defender que é sua missão «proteger a dignidade humana, ajudar as pessoas no processo de decisão em fim de vida, obtendo para tal consentimento livre e esclarecido, e não um esclarecimento que resulta do medo e do sofrimento». 

Também a Bastonária da OE, Enf.ª Maria Augusta Sousa, referiu que «não é possível deixar de centrar na vida e na qualidade de vida das pessoas, e nos seus cuidadores, o nosso papel enquanto enfermeiros».

«Das restrições» que estão a ser aplicadas em Portugal, neste momento, «pode sair a destruição do sistema social que suporta a vida e a qualidade de vida de cada um», referiu a Bastonária, referindo-se com preocupação à equidade, à acessibilidade e à segurança dos cuidados que poderá estar ameaçada.

«No quadro de um sistema social, não podemos pactuar com cortes financeiros que não sejam cirurgicamente planeados. É possível poupar, evitar desperdícios, e fazer melhor com os meios que temos, mas para isso é preciso um planeamento cirúrgico», aludiu a representante máxima da OE. «Sob pressão, é fácil cometer erros, os quais terão repercussões na desestruturação» do sistema de saúde e «poderão conduzir a retrocessos civilizacionais graves», enfatizou a Enf.ª Maria Augusta Sousa.

 

Portugal está «entre os piores relativamente à qualidade de morte das pessoas»

Mas nem só de “testamento vital” se falou ontem no XII Seminário de Ética da OE, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

O Juiz Desembargador Eurico Reis, Presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, aludiu ao início da vida como uma «construção cultural» que, à luz do Direito, tem início no momento do nascimento. «Isso não significa que devamos desconsiderar o embrião, mas não lhe devemos atribuir a categoria de ser humano. Podemos protegê-lo sem equiparações», considerou o juiz.

O Presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida deixou ainda claro que os enfermeiros e os médicos assumem a morte como uma «derrota» profissional, mas que esse processo é um acto natural e, às vezes, é preciso «deixar morrer em paz» sem que isso possa ser confundido com eutanásia, numa clara alusão à obstinação terapêutica.

Já durante a tarde, o médico Paulo Pina, do Instituto Português de Oncologia de Lisboa, afirmou que Portugal é «dos melhores países do mundo em matéria de cuidados perinatais e, contudo, está entre os piores no que diz respeito à peri-morte e à qualidade de morte das pessoas», citando um estudo de 2010 da Unidade de Inteligência Económica.

E embora diversos estudos admitam que um doente em fim de vida quer que seja evitado «o prolongamento inadequado da agonia», não quer ser um fardo para a família, nem quer estar ligado a máquinas no final de vida, a realidade é que «76% estiveram ligados a máquinas e 31% dos doentes que não queriam ser reanimados, foram-no», exemplificou o médico, com base em estudos internacionais. O clínico do IPO de Lisboa foi ainda mais longe e disse que 87% dos médicos e 95% dos enfermeiros «já tiveram de prestar cuidados fúteis, no último ano» de vida de doentes.

O Dr. Paulo Pina sustentou também que os enfermeiros podem ter um papel muito importante no apoio à família no processo de luto, porque «após a morte de um doente, um terço dos familiares» enfrenta «depressão, ansiedade, pânico».

Referiu-se também à «boa morte», como «uma morte sem dor, fulminante, acompanhada, em idade avançada da pessoa, que decorre em casa, sem estigmas, com baixo custo», livre de stress e de sofrimento evitáveis para doentes e famílias.

Por fim, o médico defendeu que «a qualidade de morte» deve ser um indicador de Saúde das populações.

GCI/AS