Braga discute o combate à demência

  • 04-03-2019

Com o objetivo de debater a realidade regional de resposta à pessoa em situação de demência, a Secção Regional do Norte da Ordem dos Enfermeiros (SRNOE) voltou a Braga para mais um Conversas de Fim de Tarde. No dia 1 de março, a Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva recebeu o debate que contou com um “painel de grande relevo”, caracterizado por Leonel Fernandes, ao apresentar os intervenientes. A jornalista Paula Rebelo iniciou a conversa, incitando a análise do presente para “estabelecer caminhos mais promissores” no futuro. “Há mais de uma década que a incidência da demência e depressão não era tão alta: as estimativas da Organização Mundial de Saúde apontam para cerca de 47,5 milhões de pessoas com demência, um número que pode chegar aos 77 milhões em 2030 e triplicar em 2050. O futuro coloca-nos grandes desafios”, lançou a moderadora. 

 

O enfermeiro Armando Mucha, em representação do coordenador do Conselho Regional de Saúde Mental do Norte (ARS Norte), Jorge Bouça, foi o primeiro a ser questionado sobre o retrato de saúde e que estratégias devem ser adoptadas perante estes desafios que não param, face a uma população cada vez mais envelhecida. “Em junho, iremos apresentar o Plano Regional para as Demências, integrado no Programa Regional de Saúde Mental. Temos contactado várias associações, feito levantamentos de boas práticas nos serviços e o nosso objetivo é recolher contributos para fazer um plano regional exequível. O nosso objetivo é arquitectar um plano em que os doentes sejam tratados o mais próximo possível da comunidade, junto da sua família. Queremos articular os cuidados de saúde primários com os cuidados hospitalares, em prol de um trabalho eficiente”, explanou, revelando que os casos de demência estão a aumentar e as estimativas apontam para os 200 mil. 

 

A necessidade de existir uma maior cooperação e a criação de parcerias estreitas no combate à problemática é cada vez mais exigente e as instituições de solidariedade social revelam-se uma peça fundamental. O cónego Roberto Rosmaninho Mariz, representante da União das Instituições Particulares de Solidariedade Social de Braga, abordou a patologia, destacando que “a vida humana nunca é uma anomalia”. “Sentimos que a percentagem de pessoas com demência é muito superior à que existia há 20 anos atrás e também o cuidado é muito diferente. Nesta cooperação entre entidades e a sociedade é necessário que haja compensação para que o plano possa ser mais eficaz e qualificado”, declarou o cónego, chamando a atenção para o apoio da família no desempenho desta missão. 

 

Questionado sobre o papel das autarquias, bem como das assimetrias e desafios da cidade, Firmino Maques, vice-presidente da Câmara Municipal de Braga, afirmou que o município “tem dado primazia à rede social onde estão agregadas todas as instituições ativas no plano social e patrimonial e propõe-se fazer um caminho em conjunto para a resolução dos vários problemas”. Na sua opinião, a autarquia tem adotado uma “posição de prevenção com a comunidade acima dos 50 anos” e destacou alguns dos projetos que têm desenvolvido no combate à demência. Os serviços Teleassistência e Voz Amiga, o Gabinete de Apoio à Pessoa Idosa, os jogos de Boccia Sénior, o Café Memória e os Ciclos de Conhecimento fazem parte das iniciativas integradas no lema “viver ativamente” da cidade de Braga. A psicóloga Joana Araújo, coordenadora do Café Memória, confirmou a ação do município e o sucesso destes projetos que também apoiam os cuidadores informais. “Estima-se que em Portugal, existam 817 mil cuidadores, mas novos casos acontecem todos os dias e estas pessoas não sabem como lidar. Cuidar de uma pessoa com demência é muito diferente de cuidar de uma pessoa com outra patologia. Há uma sobrecarga do cuidador que traz exaustão, depressão, isolamento para a própria pessoa e o que eles procuram é o reconhecimento do papel do cuidador”, assegurou a diretora técnica da Unidade de Dia NeuroDia, reforçando que estes cuidadores informais não vão substituir os profissionais de saúde ou da área social que vêm apoiar e dar resposta a quem precisa. 

 

A presidente da delegação Norte da Alzheimer Portugal, Ana Taborda, comentou o plano que está a ser elaborado, afirmando que “não podemos olhar para as situações e pessoas da mesma forma”. Consciente da realidade que se vive em muitas famílias, em que existem idosos a cuidar de outros idosos pela falta de um cuidador, lamentou o facto de as “respostas serem poucas”. A enfermeira reconhece que nem sempre se consegue replicar os modelos definidos “porque as pessoas precisam de cuidados diferentes” e defendeu a criação de instituições especializadas. “Estamos a a falar de utentes que precisam de vigilância e acompanhamento permanente. O ideal era que todas as instituições tivessem apoio e técnicos especializados”. 

 

A importância de apostar na formação, “não especializada mas específica”, foi também defendida pelo enfermeiro Adelson Estrela. O enfermeiro que exerce funções no Hospital Magalhães Lemos, no Serviço de Psicogeriatria, partilhou algumas situações com que lida diariamente no exercício da profissão, relacionadas com o papel da família, apoios sociais e ajudas técnicas. “Os cuidadores estão exaustos e precisam de apoio, é necessário criar condições para estas pessoas. Isto tem que ser alterado, vai levar o seu tempo, mas os problemas começam a empolar. Implica custos, será necessário racionalizar e distribuir responsabilidade ao poder local. Os cuidadores são a peça fundamental e temos que ter especial atenção porque eles próprios estão a ficar doentes”, rematou. 

 

Paula Rebelo abriu o debate à plateia e foram discutidos os custos, o papel das instituições, profissionais de saúde e cuidadores e a rede dos cuidados de saúde mental, em que a ARS Norte prevê receber propostas de unidades específicas para a demência. “O novo plano deve contemplar os cuidados articulados em que, após o diagnóstico, devem trabalhar no terreno com equipas preparadas”, completou Armando Mucha. A mudança foi uma palavra de ordem e os convidados destacaram a importância da rede social, do voluntariado, do papel dos cuidadores e a consulta de capacitação destas pessoas que se dedicam ao ato de cuidar. No final, concordaram que este é um “desafio crescente” e uma questão de saúde pública, em que tomos estamos envolvidos. 

RPR