A saúde não é política

  • 08-02-2018

Se para medir a política, em vez de sondagens pudesse ser usado um cata-vento, percebíamos que diariamente temos um país de direita, esquerda e centro. Depende dos ventos.

 

Falarei do hospital de Gaia mas, é apenas um exemplo que é transversal a quase todos os hospitais do país e o que está a acontecer a estes enfermeiros é o prólogo do que aí vem para os outros que estão na mesma condição.

 

O ministério que dá ordem de não renovação de contratos ao pessoal e tem milhares de horas em dívida aos enfermeiros por falta de verbas é o mesmo que contratualiza camas no privado para atender os doentes que não podem estar no público por falta de profissionais e que contrata tarefeiros a empresas de trabalho temporário.

 

No dia 1 de Fevereiro houve debate quinzenal. À tarde o primeiro-ministro afirmou categoricamente que o Governo vai continuar o “combate à precariedade nos sectores público e privado” e a “dinamização da contratação colectiva” assim como os “contratos para jovens”.

No mesmo dia, mas de manhã, o Conselho de Administração do Hospital de Gaia informou 12 colegas que tinham assinado contrato em meados de Janeiro que estão dispensados.
Bem sei que no jargão dos economistas estes contratos não são precários, são contratos por tempo indeterminado. Mas para nós, enfermeiros, que somos obrigados a pagar as nossas dívidas em vez de as gerir, que temos todos os dias os administradores hospitalares a fazerem uma alavancagem financeira à custa das nossas horas e o País a tratar-nos como commoditys para fazer um dumping global, os enfermeiros em Gaia são contratos precários! São precários e deixam os enfermeiros em default.

 

Sei o meu lugar. Sei que a mim não me cabe fazer avaliações jurídicas ou economicistas a nenhum contrato. No entanto, por saber o meu lugar, sei que me compete zelar pelos interesses da população, pela segurança dos cuidados e também pela dignidade dos enfermeiros.
Não me venham com a conversa das competências do sindicato e das competências da ordem. As nossas competências, de todos, são defender o ser humano, seja enfermeiro ou simplesmente um utente do SNS.

 

Acredito na boa vontade do primeiro-ministro, no entanto, também creio que possa estar desinformado. Não falarei no combate à precariedade porque esse "mito" já me pareceu claro que o desfiz em cima. Mas podemos ver os “contratos para jovens” antes de mais, gostava de deixar bem assente uma coisa. Os 12 enfermeiros que foram despedidos em Gaia não são "os 12". São a Sara, a Helena, a Bruna, a Carlinda, etc. São 12 profissionais que têm entre 23 e 30 anos, alguns deixaram os contratos laborais que tinham no estrangeiro para regressar a Portugal e viverem na sua terra. 
Este assunto é mais do que um mero contrato ou vinculo profissional. É mais do que “a quinta” de quem é que os deve defender. São expectativas goradas e sonhos destruídos por um Estado que vive de marketing e de jeito com as palavras.
Veio a Troika e os portugueses foram embora porque tinham de compreender o estado do país. Agora, que nos dizem que fomos o aluno bem comportado da Europa, gritamos que precisamos dos nossos que partiram para o mundo e quando eles regressam escorraçamo-los.
Faltam milhares de enfermeiros e mandamos embora aqueles que acorrem ao seu país quando são chamados.
Isto, mais do que insensível, é desleal para com a nação.

 

Apesar de todos os grupos parlamentares terem tido conhecimento da situação destes enfermeiros em Gaia, só o Bloco de Esquerda apareceu para os confortar. Catarina Martins prometeu ainda que o parlamento discutirá dia 8 de Fevereiro e votará no dia seguinte uma moção do Bloco que prevê que os enfermeiros que foram contratados ao abrigo do plano de contingência permaneçam nos serviços depois de Março. Nas palavras da coordenadora do Bloco, “estes já cá estão, já conhecem o serviço, que aqui estão a trabalhar, que aqui são essenciais todos os dias ao utentes, que fiquem.”

 

A desculpa do governo anterior ja está gasta. Nós tomamos posse muito depois do Governo e já mudámos muita coisa na Ordem, portanto, sexta-feira dia 9 é o dia do grande teste ao arco da governação.
O parlamento vai decidir o futuro do país e nós vamos ver o que quer o parlamento. Este é o dia em que perceberemos se o PSD mudou ou continua a querer apresentar resultados à Europa, se os portugueses podem confiar no Bloco, se o Bloco pode confiar no PS e se o PS quer saber da opinião da esquerda ou só cede quando precisa.

 

Resumidamente, na próxima sexta-feira, os enfermeiros vão entender quais são os partidos que estão do seu lado e os portugueses vão perceber quem é que está preocupado com a sua saúde.

 

João Paulo Carvalho

GCIN/RPR