2 anos de mandato

  • 01-02-2018

Caros colegas,

 

Fazemos hoje dois anos de mandato. Para nós, é altura de balanço, de reflexão. Para outros, é altura de começar a fazer política. A verdade é que ainda não fizemos tudo quanto gostaríamos nem tão pouco quanto dizem alguns. Se a Ordem estava como a encontrei há dois anos foi precisamente por haver muita gente a fazer política e pouca realmente preocupada com os enfermeiros. Não fazemos agenda política, não estamos a guardar o melhor para o fim para que se lembrem de nós nas próximas eleições. Tudo o que temos feito é porque nos comprometemos mas, mais importante que isso, é porque acreditamos. Foram dois anos intensos. Com muita luta pública, com um Ministério de costas voltadas para os enfermeiros, com decisores políticos e chefias que se tem revelado adversários ao invés de aliados, com interesses instalados, com os do costume que acham que Portugal é o seu jardim. Já por várias vezes tentei explicar que quer sejam chefias, direções, administrações ou a própria Ordem, a nossa missão comum é melhorar o Sistema Nacional de Saúde. Todos temos a missão, de dar melhores condições de vida aos doentes, de tornar os cuidados de saúde melhores e mais seguros. Em saúde não há números. Há vida e morte. E há mais morte e sofrimento do que é necessário quando os números são mais importantes do que as pessoas. Denunciámos sem medo, sem amarras e sem pensar no amanhã, as pressões que foram feitas aos nossos colegas.

Para fazer denúncias públicas, não é preciso ser herói, é preciso ter vergonha na cara e saber que por mais que não saibamos o caminho por onde vamos, há caminhos pelos quais não podemos ir.

 

Só não percebo a passividade de alguns, porque é impossível ficar indiferente ao que nos chega diariamente à Ordem. Dezenas de doentes para uma casa de banho, dezenas de doentes para um enfermeiro, dezenas de doentes e nenhum auxiliar, doentes em camas nos corredores sem privacidade e beliscados na sua dignidade, enfermeiros que por terem sido nomeados se esqueceram que são enfermeiros, diretores que pressionam chefes, chefes que pressionam colegas, todos na esperança de conseguir um excel a verde. É curioso que o verde, cor da esperança, contraste com o negro do luto das famílias, com a dor dos que esperam, com o desespero dos que não conseguem dar resposta a tantos.

Hoje somos nós que celebramos. Celebramos dois anos de defesa intransigente da Enfermagem, dos enfermeiros e dos cuidados de saúde, é verdade. Mas o país devia celebrar todos os dias. Devia comemorar a entrega dos enfermeiros, a dedicação dos que dão tanto por tão pouco.

 

Não serão muitos os portugueses que se lembram dos que estão a servir de retaguarda ao país no Natal, não passa pela cabeça de ninguém faltar ao aniversário do marido, são poucos os que toleram deixar a mulher a jantar sozinha noite atrás de noite, mês após mês.

Ninguém aceita uma hipoteca se não for para ter qualquer coisa. Os enfermeiros fazem-no ano atrás de ano. Hipotecam a sua vida pessoal e familiar por um chamamento do cuidar. São eles que tantas vezes deixam os filhos em casa, doentes, para ir cuidar das maleitas dos filhos dos outros.

 

Ao longo deste ano, poucos foram os dias que fiquei sentado na secretária. Não estou Presidente para passear pelos corredores do poder. Vim para cumprir o que me propus, melhorar a nossa vida enquanto profissionais e utentes. Sabem que mais? O país não se muda com o ar condicionado do gabinete, muda-se a transpirar no verão de Bragança, a tremer no frio de Vila Real, a sujarmo-nos com o sangue dos doentes se for preciso e a emprestarmos o ombro a quem dele precisa.

 

Sim, nós, enfermeiros, temos sido o verdadeiro agente de mudança. No meio de tantas coisas que faltam percebo que sobra boa vontade. Os enfermeiros, como se não bastasse serem o pilar do SNS, ainda apresentam diariamente projetos de excelência, dão cartas no desporto, dignificam a investigação e, por mais longe que cheguem, nunca perdem a humildade de quem tem as suas raízes junto daqueles que precisam.

 

Nós sabemos que mudamos vidas e marcamos pessoas, sabemos que há tantos que já esquecemos e que nunca nos esquecerão, mas isso não nos muda, não nos traz sobranceria nem altivez.

 

Somos o que somos e, queira Deus, que nunca deixemos de ser assim.

Termino com a frase por onde devia ter começado e evitava tanto texto:

 

Os enfermeiros são heróis!

 

João Paulo Carvalho

GCIN/RPR