Dia Mundial de Prevenção do Suicídio

Dia:  10-09-2020

 

Os comportamentos suicidários são um problema de saúde pública. Têm sido identificados em documentos estruturantes da Organização Mundial de Saúde (OMS) (“Plano de Ação de Saúde Mental”) e da Organização das Nações Unidas (ONU) (“Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” e “13º Plano Global de Trabalho 2019-2023”), mas estima-se que continuem a morrer por suicídio cerca de 800.000 pessoas por ano e que cerca de 10 a 20 vezes mais, tenham outro tipo de comportamento suicidário, nomeadamente tentativas de suicídio (OMS, 2019).

 

Apesar de todos os avanços registados continua a ser diminuta a capacidade para conseguir predizer quem vai passar ao ato, parecendo ser algo “aleatório” (Franklin et al., 2016). Talvez esta dificuldade origine, algumas vezes, um estrangulamento do problema centrado na doença (psiquiátrica), “justificando” um modelo biomédico incapaz de responder de forma totalmente eficaz, centrado no risco e no indivíduo independentemente do seu contexto, ao invés de uma abordagem ecológica que promova o bem-estar mental e a resiliência para toda a comunidade, que tem vindo a apresentar maior eficácia na prevenção de comportamentos suicidários (Cutcliffe, Wylie, Links, & Santos, 2017).

 

Sendo fenómenos complexos, os comportamentos suicidários apelam a conhecimentos de ordem biológica, psicológica, cultural, socioeconómica, filosófica, histórica e contextual, e à interação entre si. Por isso, uma só disciplina, seja ela qual for, não poderá identificar, compreender e atuar eficazmente perante este fenómeno, emergindo assim a necessidade de uma prática multidisciplinar onde, naturalmente, os enfermeiros e, particularmente, os especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica são parte fundamental da abordagem. Alicerçado num corpo de conhecimento próprio, centrado na relação interpessoal de Hildegard Peplau e na teoria das transições de Afaf Meleis, a Enfermagem tem um papel importante na interpretação, gestão e acompanhamento de pessoas, grupos ou comunidades com comportamentos suicidários e sobreviventes (Cutcliffe & Santos, 2012).

 

Alguns desafios se impõem, contudo, à Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, tais como:

  • Maior foco nos comportamentos suicidários, através da inclusão expressa deste tema nos curricula das Licenciaturas e Mestrados, para o combate ao estigma, a abordagem dos mitos, teorias explicativas e modelos de intervenção colaborativos e humanistas centrados na pessoa.
  • Maior foco na investigação em suicidologia, colocando-a como uma prioridade e identificando, sempre que possível, indicadores sensíveis aos cuidados de Enfermagem.
  • Maior foco na elaboração de manuais de boas práticas centrados nas pessoas (Santos & Cutcliffe, 2018). Apesar do incremento dos estudos, a translação do conhecimento assume-se como uma prioridade, o que implica maior acessibilidade, maior consciencialização dos políticos e/ou gestores, maior responsabilidade dos profissionais de saúde e/ou cuidadores e, por último, maior exigência de qualidade por parte de todos os cidadãos.
  • Maior foco na prevenção, através da organização de mais programas de prevenção de forma sistematizada, com identificação de indicadores e sujeitos a avaliação.

A inclusão do suicídio nos documentos estruturantes da prática da OMS e da ONU, o “Plano Nacional de Prevenção do Suicídio” (considerado uma prioridade pelo Programa Nacional para a Saúde Mental), o Regulamento de Competências Específicas dos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica são elementos facilitadores para que, aperfeiçoando o nosso conhecimento e indicadores, possamos contribuir para o desígnio da International Association for Suicide Prevention de trabalhar em conjunto, prevenindo o suicídio e (re)conectando alguém à vida!

 

Autor:
José Carlos Santos

  • Enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica;
  • Professor Coordenador na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra;
  • Presidente da Direção da Sociedade Portuguesa de Suicidologia (2011-2013).

 

Referências Bibliográficas:

  • Cutcliffe, J., & Santos, J. C. (2012). Suicide and self-harm: An evidence-informed approach. Londres / Nova Iorque: Quay Books.
  • Cutcliffe, J., Wylie, L., Links, P., & Santos, J. C. (2017). Adopting an ecological public health approach to suicide prevention - the cases of Turkey and Canada: Why can’t we get there?. Journal of Psychiatric Nursing, 8(3), 172-178.
  • Franklin, J., Ribeiro, J., Fox, K., Bentley, K., Kleiman, E., Huang, X., … Nock, M. (2017). Risk factors for suicidal thoughts and behaviors: A meta-analysis of 50 years of research. Psychological Bulletin, 143(2), 187-232.
  • Organização Mundial de Saúde. (2019). Suicide in the world: Global health estimates. Genebra: Organização Mundial de Saúde.
  • Santos, J., & Cutcliffe, J. (2018). European psychiatric/mental health nursing in the 21st century: A person-centred evidence-based approach, Cham: Springer.