Dia Internacional do Idoso

  • 28-09-2020

As Nações Unidas instituíram em 1991 o dia 1 de Outubro para, anualmente, se assinalar o Dia do Idoso como oportunidade para destacar a importância da sua contribuição para a sociedade, bem como consciencializar para as oportunidade e desafios do envelhecimento no nosso tempo.

 

Pois bem, sob estes pressupostos, a Secção Regional do Centro (SRCentro) da Ordem dos Enfermeiros não pode deixar de assinalar esta data, sempre com uma certeza: assinalar um dia não pode substituir nunca os restantes 364 ou 365 dias de um ano.

 

A importância do idoso, enquanto herança viva da tradição, dos costumes e da cultura de um povo, evidencia o seu papel único para as sociedades. Ainda assim, a sua vulnerabilidade de saúde, económica ou social, facilmente criam um importante fenómeno de marginalização e até violência dos seus direitos.

 

Entre 2017 e 2030, o número de pessoas com 60 anos ou mais deve crescer 46%, superando globalmente os jovens, bem como crianças menores de 10 anos.

 

Em 2017, Portugal era o quarto país do mundo com mais idosos (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2017) e se essa realidade, por si só, poderia acarretar desafios em termos económicos, de políticas de saúde e/ou suporte social, a verdade é que enfrentamos nos nossos dias uma realidade que é evidente, mas permanece silenciosa: há anos que nos entram pelo televisor ou pelas redes sociais, imagens e notícias da forma como os nossos idosos são “acumulados” em serviços de urgência ou instituições sociais para idosos. Mas há anos que vem crescendo a nossa insensibilidade e até resignação perante uma realidade que inevitavelmente será a nossa no futuro.

 

A Organização Mundial de Saúde (OMS), no Relatório de Prevenção contra os Maus Tratos a Idosos, na análise que fez das agressões nos últimos cinco anos contra os mais velhos, num Universo de 50 países europeus, foi clara ao assumir que “Portugal tem um sério problema no que respeita aos maus tratos contra idosos.”

 

E se ainda assim acharmos que este é um problema da comunidade ou das famílias, uma vez mais podemos despertar dessa obnubilação que nos turva. Mauro Paulino referiu, no início deste ano de 2020, na apresentação do livro “Maus-tratos a pessoas idosas”, que “também há maus tratos em contexto institucional”. Segundo o próprio, os maus tratos não são uma realidade exclusiva das famílias, e "há aquilo que nós chamamos de fenómeno icebergue. Muitos dos casos estão no silêncio, seja por receio da vítima, seja pelo silêncio das pessoas que sabem destas situações, mas não as denunciam".

 

Falamos de maus tratos... falamos de negligência na omissão do cuidado com dignidade. Não podemos, nem devemos, imbuídos do romanticismo da atribuição de uma data para se assinalar anualmente um motivo deste género, toldar uma realidade que não é apreciada por nós. Assinalar a importância de respeitar e dignificar a pessoa idosa é também assegurar que todas elas são cuidadas com dignidade.

 

Vivemos uma débil situação dos serviços de saúde que tantas vezes funcionam em espaços com 30-40 anos, que não se adaptaram a uma mudança sociodemográfica agudizada nos últimos 20. Contextos com equipas de saúde desfalcadas, com falta de profissionais para as necessidades actuais, quer em termos dos cuidados de saúde, quer em termos da especificidade e complexidade cada vez maior das situações que enfrentam.

 

Mas vivemos também (ou talvez sobretudo) a preocupante situação de tantas e tantas instituições de suporte social, como lares ou estruturas residenciais para idosos que funcionam à luz de uma lei obsoleta, que permite que pessoas idosas institucionalizadas (com as suas comorbilidades) permaneçam a maior parte do tempo sem o suporte, supervisão e acompanhamento de profissionais de saúde. É esta realidade que permite que esses mesmos idosos permaneçam silenciosamente privados dos cuidados de saúde adequados, obrigando a idas e regressos a serviços de urgência, tantas vezes evitáveis e que aumentam (qual efeito de bola de neve) a dura e preocupante realidade também vivida nas urgências pelo elevado afluxo de pessoas idosas institucionalizadas.

 

Organizações internacionais, como a OCDE, reconhecem a questão da necessidade de cuidados de longa duração como um dos maiores desafios que se colocam aos sistemas de saúde (OCDE. Health at a Glance, 2019).

 

Comemorar o Dia Internacional do Idoso é lembrar todas e todos os que diariamente percorrem centenas de quilómetros, em ambulâncias, porque encerraram serviços nos cuidados de saúde primários que os obrigam a ir a hospitais centrais.

 

Comemorar o Dia Internacional do Idoso é lembrar todas e todos os diariamente permanecem num cadeirão num lar de idosos ou numa estrutura residencial de idosos, sem o suporte de uma equipa de saúde e de suporte social adequada para assegurar a dignidade da pessoa idosa.

 

Comemorar o Dia Internacional do Idoso é lembrar os milhares de idosos que todos os dias são “acumulados” em serviços de urgência, em parte pelas duas realidades descritas imediatamente atrás, mas também porque continuamos a preferir investir em bancos, em vez de remodelar e modernizar um SNS que se adapte à realidade dos nossos dias.

 

A 3 de agosto de 2020, a OMS, na sua 73ª Assembleia Mundial da Saúde instituiu a década 2020-2030 como a Década do Envelhecimento Saudável, mas estas iniciativas só poderão ser efetivamente profícuas se todos compreendermos que exigir o cumprimento do direito à dignidade no cuidado ao idoso e o suporte à sua vida com qualidade é uma responsabilidade... poderemos mesmo dizer que exigir esse direito é um dever.

 

Em tempos de crise, os direitos adquiridos são cada vez mais postos em causa, até porque, recordando as palavras de Giddens (2007), os direitos sociais não são um dado adquirido.

 

Enquanto Ordem dos Enfermeiros, preocupa-nos a emancipação dos Enfermeiros para que pugnem pelo exercício seguro e com qualidade das suas funções, mas também pretendemos que as populações exijam o direito por um cuidado digno dos seus idosos.

 

Enquanto Ordem dos Enfermeiros fica evidente que é fundamental que se tomem todas as medidas necessárias (legislativas ou outras) para que os nossos idosos tenham a supervisão e o cuidado de profissionais de saúde qualificados durante 24 horas por dia, nas instituições de suporte social.

 

Pretendemos exigir o respeito e o cuidado dos nossos idosos hoje, para que possamos ser os idosos de amanhã e ser cuidados com a dignidade que todos merecem.

 

Uma mensagem de João Neves, Vogal do Conselho de Enfermagem Regional

CER GCI/MA e PR