Dia Internacional do Enfermeiro. Lembrando Florence Nightingale– 12 de maio de 2013 [+]

  • 07-05-2013

 

Homenagem a todos Enfermeiros lembrando Florence Nightingale

 

Florence Nigthingale com 38 anos, sentada, lendo, sobre a sombra de uma árvore. Fotografia da autoria de William Slater (1958).

Caro Cidadão,

Comemora-se hoje - dia 12 de maio de 2013 - mais um Dia Internacional do Enfermeiro. Este artigo pretende ser uma pequena homenagem à mulher que é considerada a fundadora da Enfermagem Moderna e, por outro lado, apresentá-la aos nossos cidadãos. Este texto pretende ser uma pequena viagem histórica ao mito, à vida e à obra de uma das mulheres mais famosas e influentes do século XIX e, que ainda hoje, é fonte inspiradora para enfermeiros e administradores da área da saúde, uma mulher para lá do seu tempo.

No dia 12 de maio de 1820, durante uma demorada viagem que Edward e Frances Nightingale realizavam pela Europa, nasce uma de suas duas filhas que recebeu o nome de Florence, em virtude do seu nascimento ter acontecido na cidade italiana de Florença. A outra filha, um ano mais velha do que Florence, nascida em Nápoles, foi-lhe dado o nome de uma das sereias da cidade, Parthenope.

De regresso a Inglaterra, a família Nightingale de raízes aristocráticas, divide o ano entre duas casas: Lea Hurst, no Derbyshire, para o verão, e Embley, no Hampshire, para o inverno. As filhas são educadas pelo pai Edward, formado em Cambridge, revelando a mais velha um especial talento para as artes e a mais nova uma inclinação para as ciências, embora o pai, além da desejada matemática e música, lhe ensine diversas línguas, história, filosofia, religião e política. Florence é bonita e delicada, mas em vez de tentar um bom casamento obedece a um chamamento divino, que lhe chega pelos 17 anos durante um passeio no jardim de Embley.

A religião dos pais é a Unitária, que nega a existência de uma Trindade e é vista como uma seita pelas Igrejas que se consideram respeitáveis. A própria Florence se tornaria um paradigma relativamente a este facto. Os unitarianos acreditavam que os males sociais eram produtos humanos e não castigos de Deus, portanto, deveriam ser remediados por ação humana. Seja como for, o seu país protestante é pouco dado a conventos, e ela saberá encontrar um caminho que não o da clausura para cumprir os desígnios de Deus, contornando ao mesmo tempo a frustração das mulheres que conhece. Quando se põe a investigar os lares, asilos e hospitais da região, tem de enfrentar a oposição dos pais, já que a enfermagem não parece carreira para mulheres de bem. Edward e Frances mandam-na então em viagem com dois amigos, e depois de visitar a Itália, o Egito e a Grécia, o trio passa uns tempos no hospital do pastor alemão Theodor Fliedner, em Kaiserwerth, perto de Dusseldorf na Alemanha.

No ano seguinte Florence volta a Kaiserwerth para três meses de formação em enfermagem, após o que em 1853, passa a superintendente do Establishment for Gentlewomen em Londres. A sua prova de fogo chega-lhe no ano seguinte, quando a Inglaterra e a França declaram guerra à Rússia a propósito da ocupação, por parte desta, de territórios da Turquia. Esta guerra ficará conhecida como a Guerra da Crimeia (1854-1856), já que é desta península sobre o Mar Negro que parte o exército russo invasor. Entretanto o trabalho de Florence começou a ser reconhecido pelo governo inglês da rainha Vitória, e é então que é chamada pelo ministro de guerra britânico Sidney Herbert para organizar a introdução de mulheres enfermeiras nos hospitais militares: parece estar em causa a qualidade do atendimento médico aos feridos em combate, bastante criticada por repórteres de guerra do jornal The Times.

Florence chega ao Barrack Hospital em Scutari a 4 de novembro de 1854. Scutari é um subúrbio de Constantinopla (futura Istambul), no lado asiático, e do hospital ela há-de gostar de ver o pôr-do-sol sobre o Bósforo. Leva consigo 38 enfermeiras, pouco depois chega outro grupo que ela a princípio não quer receber, por medo de não conseguir controlar as atividades de tanta gente e, ironicamente, por admitir a hipótese de muitas delas terem vindo para arranjar marido. A participação destas mulheres não é de imediato solicitada pelos médicos, mas com a chegada de nova remessa de feridos da Batalha de Inkermann são integradas na roda-viva das operações de urgência, dos tratamentos e de tarefas de apoio psicológico aos soldados.

 

Reprodução de uma pintura de Jerry Barrett – “The Mission of Mercy”, representando Florence Nightingale – “O Anjo da Crimeia” - a receber um soldado ferido em Scutari durante a Guerra da Crimeia em 1856.

O cenário não é bonito de se ver: centenas de membros amputados em condições tenebrosas, feridos ao lado observando a dor nas faces estranhamente resignadas desses camaradas cuja morte é certa. A falta de ventilação das instalações acentua as infeções, insetos e vermes de toda a espécie percorrem os corpos, e eles têm de vencer ainda a fome – os exércitos não recorrem ainda aos meios sofisticados de alimentação em combate que hão-de existir no futuro.

As primeiras medidas por si tomadas, relacionaram-se não só com os atos curativos, mas, também, com cuidados de higiene, preparação de alimentos, arranjo de roupas, e cuidados de saneamento, porque a maioria dos feridos morria não por causa dos ferimentos, mas pelas infeções motivadas por falta de condições sanitárias.

A eficácia das suas medidas traduziu-se na redução evidente da taxa de mortalidade do exército britânico, de 42,7% para 2,2%, que igualmente por influência de Florence, passou a usufruir de uma biblioteca, uma lavandaria, um sistema bancário que ajudava a guardar as poupanças e um pequeno hospital para apoio às famílias que acompanhavam os soldados. Isto porque Florence preocupava-se não só com os doentes e feridos de guerra, mas, também, com as condições ambientais que influenciavam a saúde.

Florence Nigthingale foi pioneira na utilização de gráficos, para apresentar dados de uma forma clara que mesmo os generais e membros do parlamento pudessem compreender. Os seus gráficos criativos constituem um marco no crescimento da nova ciência da estatística.

Ela considerava a estatística essencial para entender qualquer problema social e procurou introduzir o estudo da estatística na educação superior. Florence Nightìngale utilizava a análise dos dados e os gráficos como uma porta para o bom entendimento, fazia resumos numéricos e calculava taxas de mortalidade detalhadas. Para ela, os dados não eram impessoais e abstratos, porque mostravam-lhe e ajudavam-na a mostrar aos outros, como salvar vidas. Aqui podemos observar o seu famoso diagrama estatístico utilizado durante a Guerra da Crimeia.

Florence, a Lady-in-Chief, impõe divisórias entre as camas para esconder a agonia do vizinho e, com a sua equipa trata de enviar o dinheiro deles para as famílias, de escrever as cartas que eles querem e de lhes ler como consolação. Do romantismo do mito fará parte a imagem de mulheres de lamparina na mão (instrumento para auxiliar na iluminação enquanto se cuidavam dos feridos durante a noite), como belos anjos da guarda nas noites de Scutari. É nesta altura que a expressão “Dama da Lâmpada” foi cunhada no famoso poema “Santa Filomena” de Henry Wadsworth Longfellow.

 

O mito da enfermeira como “anjo da guarda” à cabeceira do doente, protagonizada por Florence, é tipicamente para alguns autores uma construção social do romantismo inglês, em plena época vitoriana. Florence Nightingale ficará conhecida como “A Dama da Lâmpada” (a lamparina é um símbolo universal da enfermagem) através de um famoso poema de Wadsworth Longfellow.

O ambiente geral é de rendição à morte inevitável, é mais de 70 por cento de um exército que se perde. Mas ela ganha o respeito e a admiração entre os soldados, que organizarão um peditório para ajudar nas suas medidas reformistas dos hospitais civis ingleses.

Quando volta a casa em agosto de 1856, quatro meses depois do fim da guerra, é recebida como uma heroína nacional, com um elevado reconhecimento internacional, mas Florence nem valoriza o orgulho dos pais, sobretudo da mãe, que se distrai agora das suas fúteis atividades sociais para enaltecer a filha mais nova.

Florence escolhe uma intervenção menos exposta e aqui começa então o seu maior contributo: é de um quarto de hotel em Londres, onde padece de um mal misterioso (mais tarde pensa-se serem traumas da guerra, fibromialgia ou apenas uma infeção), que comanda uma campanha para estudar e melhorar a saúde das tropas britânicas, empenhando-se na reorganização de hospitais, especialmente dos militares, sendo os seus trabalhos baseados em estatísticas rigorosas, sendo pioneira na utilização de métodos de representação visual de informações, como por exemplo, o gráfico sectorial, conhecido como gráfico tipo “pizza”. O ministro Sidney Herbert é o dirigente da comissão real criada para o efeito e ela trabalha com relevantes dados estatísticos, militares e civis, o que fará dela a primeira mulher membro da Sociedade de Estatística do reino.

Nesse mesmo ano de 1860 é publicado Notes on Nursing, em que ela descreve as linhas do seu método: uma observação cuidadosa e sensibilidade para intuir as necessidades do paciente. No fundo trata-se de um tratado sobre a organização e manipulação do ambiente das pessoas a necessitarem de cuidados de enfermagem. Este será o mais conhecido entre os seus mais de duzentos documentos escritos: livros, relatórios e folhetos. Todos os dias lembra os rostos a monte na gigantesca morgue que foi Scutari e, por essa memória enquadrada em remorso, crê agora que a falta de higiene e de ar fresco é condição suficiente para a criação espontânea de doenças infeciosas – desprezando, desta vez, o papel fundamental dos contágios. Num relatório secreto ela penitencia-se pela injustiça de terem sido esquecidos os nomes de suas companheiras, empenhadas e heroicas.

 

     

Duas edições de um dos seus livros mais conhecidos, Notes on Nursing: What It Is and What It Is Not, publicado pela primeira vez em Londres em 1860.

Em 1865 fixa residência em Mayfair, no West End de Londres, onde viverá até morrer, à parte as escassas visitas às casas dos pais ou à casa da irmã. Com o dinheiro reunido para o seu fundo, pelo peditório público, ela cria uma escola de enfermagem para mulheres no Saint Thomas Hospital em junho de 1860, que serviu de exemplo a muitas outras que começaram a espalhar-se pelo mundo, sendo hoje reconhecida a sua influência em muitos países. A partir de 1872 avalia todos os anos as atividades na escola e escreve uma carta às formandas, com conselhos e palavras estimulantes, além de as convidar para o chá e de lhes oferecer livros.

Na década de 1880 a Rainha Vitória entrega-lhe a Royal Red Cross e, em 1907 ela é a primeira mulher a ter a Ordem de Mérito. Miss Nightingale morre durante o sono a 13 de agosto de 1910 com 90 anos, na sua casa de Londres, o lugar da sua infância. Vai a enterrar em East Wellow, perto da casa dos pais, em Embley. Foi aí que ela recebeu um dia o convite de Deus, ela entenderá esse desafio como um caminho para o serviço dos doentes.

 

     

Último retrato de Florence Nightingale e fotografia do lugar onde repousa em East Wellow, Embley (Londres).

Em relação à sua obra, Florence Nightingale formulou uma avançada teoria ambientalista. Para ela um ambiente que oferecesse cinco pontos essenciais: ar puro, água pura, rede de esgotos eficiente, limpeza e iluminação - garantiria ao doente as melhores condições de recuperação. Florence delimitou o território da enfermagem em relação à medicina através da seguinte conceção: quando a função de um órgão acha-se impedida, a medicina ajuda a natureza a remover a obstrução e nada mais além disso, enquanto a enfermagem mantém a pessoa nas melhores condições possíveis para permitir que a natureza atue sobre ela, encorajando a cura. Apenas um senão, a maior falha do seu modelo ambiental foi a fraca referência e informação sobre aspetos relacionados com o ambiente psicológico e social.

Embora alguns autores pretendam desfazer o mito de Nightingale é indiscutível a sua ligação com a prática científica da Enfermagem. Florence é um mito vivo e como tal foi incluída entre as 100 mulheres que marcaram a história mundial, o que mostra o alcance da sua influência. Gostaríamos de terminar com algumas palavras proferidas pela própria Florence Nightigale acerca do que é a Enfermagem: “A enfermagem é uma arte; e como arte requer uma devoção tão exclusiva, um preparo tão rigoroso, como a obra de qualquer pintor ou escultor. Mas o que é tratar da tela inerte ou do frio mármore comparado ao tratar do corpo vivo - o templo de espírito de Deus? É uma das mais belas artes, eu quase diria, a mais bela de todas.”.

 

Por último queremos deixar algumas sugestões para ver, ouvir, ler e viajar, para conhecer melhor o mito, a vida e a obra de Florence Nightingale:

Veja…

- “Florence Nightingale (1915) (Mudo), http://www.imdb.com/title/tt0005334/
- “The White Angel (1936) (Cinema), http://www.imdb.com/title/tt0028499/
- “The Lady with the Lamp (1951) (Cinema) http://www.imdb.com/title/tt0043724/
- “Florence Nightingale” (1985) (Série televisiva), http://www.imdb.com/title/tt0089157/

 


- “Florence Nightingale” (1993) (Vídeo), http://www.imdb.com/title/tt0956136/

       

 
- “Biography of the Millennium: 100 People - 1000 Years (1999) (Documentário para a TV com depoimentos da própria Florence) http://www.imdb.com/title/tt0396288/

Leia…

Nightingale, Florence (2005) – Notas sobre Enfermagem: o que é e o que não é. Loures: Lusociência,

 
 

Small, H. (1999), Florence Nightingale - Avenging Angel, London, Constable.

 - Ouça…

“Thank the Nurse” da autoria de Country Joe McDonald (2002, Rag Baby).

 

 

 - Viaje…

Visite o Museu Nightingale em Londres ou virtualmente em sua casa em http://www.florence-nightingale.co.uk/

 

 

 Referências Bibliográficas:

COSTA, R. et al. (2009), “O Legado de Florence Nightingale: Uma Viagem no Tempo”, in Texto Contexto Enfermagem, Florianópolis, Out-Dez; vol. 18, n.º 4, pp. 661-669.

DONAHUE, M.P. (1985) - Historia de la Enfermería. Barcelona: Ed. Doyma.

NIGHTINGALE, Florence (2005) – Notas sobre Enfermagem: O que é e o que não é. Loures: Lusociência.

NOGUEIRA, M. (1990) - História da Enfermagem, 2ª ed.  Porto: Salesianas.

SEYMER, L. R. (1989) – “Nightingale, Florence”. In Collers's Encyclopedia, Vol.17. New York: Macmillan Educational Co.; London: P.F. Collier, pp. 550-551.

SMALL, H. (1999), Florence Nightingale - Avenging Angel, London: Constable.

WHITTAKER, E. & OLESEN, V.  (1964) – “The Faces of Florence Nightingale: Functions of the Heroine Legend in an Occupational Sub-culture”. In Human Organization, n.º 23, pp. 123-130.

Woodham-Smith, C.  (1951) - Florence Nightingale, 1820-1910.  Biography of English nurse of Crimean War. New York: McGraw.

  

Helena Junqueira & Pedro Quintas, Enfermeiros

 

CDR/JAF - GCI/LR