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07-05-2013
Dia Internacional do Enfermeiro. Lembrando Florence Nightingale– 12 de maio de 2013 [+]
Caro Cidadão, Comemora-se hoje - dia 12 de maio de 2013 - mais um Dia Internacional do Enfermeiro. Este artigo pretende ser uma pequena homenagem à mulher que é considerada a fundadora da Enfermagem Moderna e, por outro lado, apresentá-la aos nossos cidadãos. Este texto pretende ser uma pequena viagem histórica ao mito, à vida e à obra de uma das mulheres mais famosas e influentes do século XIX e, que ainda hoje, é fonte inspiradora para enfermeiros e administradores da área da saúde, uma mulher para lá do seu tempo. No dia 12 de maio de 1820, durante uma demorada viagem que Edward e Frances Nightingale realizavam pela Europa, nasce uma de suas duas filhas que recebeu o nome de Florence, em virtude do seu nascimento ter acontecido na cidade italiana de Florença. A outra filha, um ano mais velha do que Florence, nascida em Nápoles, foi-lhe dado o nome de uma das sereias da cidade, Parthenope. De regresso a Inglaterra, a família Nightingale de raízes aristocráticas, divide o ano entre duas casas: Lea Hurst, no Derbyshire, para o verão, e Embley, no Hampshire, para o inverno. As filhas são educadas pelo pai Edward, formado em Cambridge, revelando a mais velha um especial talento para as artes e a mais nova uma inclinação para as ciências, embora o pai, além da desejada matemática e música, lhe ensine diversas línguas, história, filosofia, religião e política. Florence é bonita e delicada, mas em vez de tentar um bom casamento obedece a um chamamento divino, que lhe chega pelos 17 anos durante um passeio no jardim de Embley. A religião dos pais é a Unitária, que nega a existência de uma Trindade e é vista como uma seita pelas Igrejas que se consideram respeitáveis. A própria Florence se tornaria um paradigma relativamente a este facto. Os unitarianos acreditavam que os males sociais eram produtos humanos e não castigos de Deus, portanto, deveriam ser remediados por ação humana. Seja como for, o seu país protestante é pouco dado a conventos, e ela saberá encontrar um caminho que não o da clausura para cumprir os desígnios de Deus, contornando ao mesmo tempo a frustração das mulheres que conhece. Quando se põe a investigar os lares, asilos e hospitais da região, tem de enfrentar a oposição dos pais, já que a enfermagem não parece carreira para mulheres de bem. Edward e Frances mandam-na então em viagem com dois amigos, e depois de visitar a Itália, o Egito e a Grécia, o trio passa uns tempos no hospital do pastor alemão Theodor Fliedner, em Kaiserwerth, perto de Dusseldorf na Alemanha. No ano seguinte Florence volta a Kaiserwerth para três meses de formação em enfermagem, após o que em 1853, passa a superintendente do Establishment for Gentlewomen em Londres. A sua prova de fogo chega-lhe no ano seguinte, quando a Inglaterra e a França declaram guerra à Rússia a propósito da ocupação, por parte desta, de territórios da Turquia. Esta guerra ficará conhecida como a Guerra da Crimeia (1854-1856), já que é desta península sobre o Mar Negro que parte o exército russo invasor. Entretanto o trabalho de Florence começou a ser reconhecido pelo governo inglês da rainha Vitória, e é então que é chamada pelo ministro de guerra britânico Sidney Herbert para organizar a introdução de mulheres enfermeiras nos hospitais militares: parece estar em causa a qualidade do atendimento médico aos feridos em combate, bastante criticada por repórteres de guerra do jornal The Times. Florence chega ao Barrack Hospital em Scutari a 4 de novembro de 1854. Scutari é um subúrbio de Constantinopla (futura Istambul), no lado asiático, e do hospital ela há-de gostar de ver o pôr-do-sol sobre o Bósforo. Leva consigo 38 enfermeiras, pouco depois chega outro grupo que ela a princípio não quer receber, por medo de não conseguir controlar as atividades de tanta gente e, ironicamente, por admitir a hipótese de muitas delas terem vindo para arranjar marido. A participação destas mulheres não é de imediato solicitada pelos médicos, mas com a chegada de nova remessa de feridos da Batalha de Inkermann são integradas na roda-viva das operações de urgência, dos tratamentos e de tarefas de apoio psicológico aos soldados. O cenário não é bonito de se ver: centenas de membros amputados em condições tenebrosas, feridos ao lado observando a dor nas faces estranhamente resignadas desses camaradas cuja morte é certa. A falta de ventilação das instalações acentua as infeções, insetos e vermes de toda a espécie percorrem os corpos, e eles têm de vencer ainda a fome – os exércitos não recorrem ainda aos meios sofisticados de alimentação em combate que hão-de existir no futuro. As primeiras medidas por si tomadas, relacionaram-se não só com os atos curativos, mas, também, com cuidados de higiene, preparação de alimentos, arranjo de roupas, e cuidados de saneamento, porque a maioria dos feridos morria não por causa dos ferimentos, mas pelas infeções motivadas por falta de condições sanitárias. A eficácia das suas medidas traduziu-se na redução evidente da taxa de mortalidade do exército britânico, de 42,7% para 2,2%, que igualmente por influência de Florence, passou a usufruir de uma biblioteca, uma lavandaria, um sistema bancário que ajudava a guardar as poupanças e um pequeno hospital para apoio às famílias que acompanhavam os soldados. Isto porque Florence preocupava-se não só com os doentes e feridos de guerra, mas, também, com as condições ambientais que influenciavam a saúde. Ela considerava a estatística essencial para entender qualquer problema social e procurou introduzir o estudo da estatística na educação superior. Florence Nightìngale utilizava a análise dos dados e os gráficos como uma porta para o bom entendimento, fazia resumos numéricos e calculava taxas de mortalidade detalhadas. Para ela, os dados não eram impessoais e abstratos, porque mostravam-lhe e ajudavam-na a mostrar aos outros, como salvar vidas. Aqui podemos observar o seu famoso diagrama estatístico utilizado durante a Guerra da Crimeia. Florence, a Lady-in-Chief, impõe divisórias entre as camas para esconder a agonia do vizinho e, com a sua equipa trata de enviar o dinheiro deles para as famílias, de escrever as cartas que eles querem e de lhes ler como consolação. Do romantismo do mito fará parte a imagem de mulheres de lamparina na mão (instrumento para auxiliar na iluminação enquanto se cuidavam dos feridos durante a noite), como belos anjos da guarda nas noites de Scutari. É nesta altura que a expressão “Dama da Lâmpada” foi cunhada no famoso poema “Santa Filomena” de Henry Wadsworth Longfellow. O ambiente geral é de rendição à morte inevitável, é mais de 70 por cento de um exército que se perde. Mas ela ganha o respeito e a admiração entre os soldados, que organizarão um peditório para ajudar nas suas medidas reformistas dos hospitais civis ingleses. Quando volta a casa em agosto de 1856, quatro meses depois do fim da guerra, é recebida como uma heroína nacional, com um elevado reconhecimento internacional, mas Florence nem valoriza o orgulho dos pais, sobretudo da mãe, que se distrai agora das suas fúteis atividades sociais para enaltecer a filha mais nova. Florence escolhe uma intervenção menos exposta e aqui começa então o seu maior contributo: é de um quarto de hotel em Londres, onde padece de um mal misterioso (mais tarde pensa-se serem traumas da guerra, fibromialgia ou apenas uma infeção), que comanda uma campanha para estudar e melhorar a saúde das tropas britânicas, empenhando-se na reorganização de hospitais, especialmente dos militares, sendo os seus trabalhos baseados em estatísticas rigorosas, sendo pioneira na utilização de métodos de representação visual de informações, como por exemplo, o gráfico sectorial, conhecido como gráfico tipo “pizza”. O ministro Sidney Herbert é o dirigente da comissão real criada para o efeito e ela trabalha com relevantes dados estatísticos, militares e civis, o que fará dela a primeira mulher membro da Sociedade de Estatística do reino. Nesse mesmo ano de 1860 é publicado Notes on Nursing, em que ela descreve as linhas do seu método: uma observação cuidadosa e sensibilidade para intuir as necessidades do paciente. No fundo trata-se de um tratado sobre a organização e manipulação do ambiente das pessoas a necessitarem de cuidados de enfermagem. Este será o mais conhecido entre os seus mais de duzentos documentos escritos: livros, relatórios e folhetos. Todos os dias lembra os rostos a monte na gigantesca morgue que foi Scutari e, por essa memória enquadrada em remorso, crê agora que a falta de higiene e de ar fresco é condição suficiente para a criação espontânea de doenças infeciosas – desprezando, desta vez, o papel fundamental dos contágios. Num relatório secreto ela penitencia-se pela injustiça de terem sido esquecidos os nomes de suas companheiras, empenhadas e heroicas.
Em 1865 fixa residência em Mayfair, no West End de Londres, onde viverá até morrer, à parte as escassas visitas às casas dos pais ou à casa da irmã. Com o dinheiro reunido para o seu fundo, pelo peditório público, ela cria uma escola de enfermagem para mulheres no Saint Thomas Hospital em junho de 1860, que serviu de exemplo a muitas outras que começaram a espalhar-se pelo mundo, sendo hoje reconhecida a sua influência em muitos países. A partir de 1872 avalia todos os anos as atividades na escola e escreve uma carta às formandas, com conselhos e palavras estimulantes, além de as convidar para o chá e de lhes oferecer livros.
Na década de 1880 a Rainha Vitória entrega-lhe a Royal Red Cross e, em 1907 ela é a primeira mulher a ter a Ordem de Mérito. Miss Nightingale morre durante o sono a 13 de agosto de 1910 com 90 anos, na sua casa de Londres, o lugar da sua infância. Vai a enterrar em East Wellow, perto da casa dos pais, em Embley. Foi aí que ela recebeu um dia o convite de Deus, ela entenderá esse desafio como um caminho para o serviço dos doentes.
Em relação à sua obra, Florence Nightingale formulou uma avançada teoria ambientalista. Para ela um ambiente que oferecesse cinco pontos essenciais: ar puro, água pura, rede de esgotos eficiente, limpeza e iluminação - garantiria ao doente as melhores condições de recuperação. Florence delimitou o território da enfermagem em relação à medicina através da seguinte conceção: quando a função de um órgão acha-se impedida, a medicina ajuda a natureza a remover a obstrução e nada mais além disso, enquanto a enfermagem mantém a pessoa nas melhores condições possíveis para permitir que a natureza atue sobre ela, encorajando a cura. Apenas um senão, a maior falha do seu modelo ambiental foi a fraca referência e informação sobre aspetos relacionados com o ambiente psicológico e social.
Embora alguns autores pretendam desfazer o mito de Nightingale é indiscutível a sua ligação com a prática científica da Enfermagem. Florence é um mito vivo e como tal foi incluída entre as 100 mulheres que marcaram a história mundial, o que mostra o alcance da sua influência. Gostaríamos de terminar com algumas palavras proferidas pela própria Florence Nightigale acerca do que é a Enfermagem: “A enfermagem é uma arte; e como arte requer uma devoção tão exclusiva, um preparo tão rigoroso, como a obra de qualquer pintor ou escultor. Mas o que é tratar da tela inerte ou do frio mármore comparado ao tratar do corpo vivo - o templo de espírito de Deus? É uma das mais belas artes, eu quase diria, a mais bela de todas.”.
Por último queremos deixar algumas sugestões para ver, ouvir, ler e viajar, para conhecer melhor o mito, a vida e a obra de Florence Nightingale:
Veja…
- “Florence Nightingale” (1915) (Mudo), http://www.imdb.com/title/tt0005334/
- “The White Angel” (1936) (Cinema), http://www.imdb.com/title/tt0028499/
- “The Lady with the Lamp” (1951) (Cinema) http://www.imdb.com/title/tt0043724/
- “Florence Nightingale” (1985) (Série televisiva), http://www.imdb.com/title/tt0089157/
- “Florence Nightingale” (1993) (Vídeo), http://www.imdb.com/title/tt0956136/
- “Biography of the Millennium: 100 People - 1000 Years” (1999) (Documentário para a TV com depoimentos da própria Florence) http://www.imdb.com/title/tt0396288/
Leia…
Nightingale, Florence (2005) – Notas sobre Enfermagem: o que é e o que não é. Loures: Lusociência,
Small, H. (1999), Florence Nightingale - Avenging Angel, London, Constable.
- Ouça…
“Thank the Nurse” da autoria de Country Joe McDonald (2002, Rag Baby).
- Viaje…
Visite o Museu Nightingale em Londres ou virtualmente em sua casa em http://www.florence-nightingale.co.uk/
Referências Bibliográficas:
COSTA, R. et al. (2009), “O Legado de Florence Nightingale: Uma Viagem no Tempo”, in Texto Contexto Enfermagem, Florianópolis, Out-Dez; vol. 18, n.º 4, pp. 661-669.
DONAHUE, M.P. (1985) - Historia de la Enfermería. Barcelona: Ed. Doyma.
NIGHTINGALE, Florence (2005) – Notas sobre Enfermagem: O que é e o que não é. Loures: Lusociência.
NOGUEIRA, M. (1990) - História da Enfermagem, 2ª ed. Porto: Salesianas.
SEYMER, L. R. (1989) – “Nightingale, Florence”. In Collers's Encyclopedia, Vol.17. New York: Macmillan Educational Co.; London: P.F. Collier, pp. 550-551.
SMALL, H. (1999), Florence Nightingale - Avenging Angel, London: Constable.
WHITTAKER, E. & OLESEN, V. (1964) – “The Faces of Florence Nightingale: Functions of the Heroine Legend in an Occupational Sub-culture”. In Human Organization, n.º 23, pp. 123-130.
Woodham-Smith, C. (1951) - Florence Nightingale, 1820-1910. Biography of English nurse of Crimean War. New York: McGraw.
Helena Junqueira & Pedro Quintas, Enfermeiros
CDR/JAF - GCI/LR