STOP TB - A estratégia da Toma Observada Directa (TOD)

STOP TB - A estratégia da Toma Observada Directa (TOD)

Diminuir a incidência da Tuberculose (TB) em Portugal e no Mundo é uma tarefa de todos, devendo todos os cidadãos e profissionais de saúde das diferentes instituições de saúde e da comunidade unir esforços em prol desse objectivo.

Os enfermeiros têm um papel essencial e preponderante na implementação de medidas necessárias que dêem resposta a este grave problema de Saúde Pública, devendo as mesmas ser dirigidas não só ao indivíduo doente, como também à sua família e comunidade, de forma a quebrar a cadeia epidemiológica desta patologia e contribuir para a melhoria da saúde da nossa comunidade.

Neste sentido, o Conselho de Enfermagem da Ordem dos Enfermeiros constituiu um grupo de trabalho «STOP TB - Os Enfermeiros na Linha da Frente».

No artigo publicado na Revista da Ordem dos Enfermeiros de Dezembro de 2010, que a seguir reproduzimos, a coordenadora do  grupo sublinha a importância da Toma Observada Directa (TOD) como uma das estratégias significativas na resposta à problemática da Tuberculose na actualidade.

STOP TB - A estratégia da Toma Observada Directa (TOD)

Os componentes essenciais das actividades para o controlo da tuberculose (TB), baseado no diagnóstico e tratamento de casos infecciosos, foram desenvolvidos e sintetizados num documento estruturante e estruturador que constitui a estratégia DOTS (Directed Observed Therapy Short Course), tendo sido promovido como um plano global desde a segunda metade da década de 90 do Séc. XX. A estratégia DOTS surge assim como resposta da Organização Mundial da Saúde (OMS) à problemática que constitui a TB na actualidade. Para expandir a estratégia DOTS, a OMS reforçou de cada um dos seus cinco componentes:

1.  Compromisso político sustentado de forma a aumentar os recursos humanos e financeiros e fazer do controlo da TB uma prioridade do sistema de saúde com cobertura nacional;

Na sustentabilidade da estratégia DOTS está subjacente a necessidade do compromisso político explícito aos programas de controlo da TB, pois só assim será possível assegurar com sucesso a sua implementação. Acredita-se que o apoio político é fundamental aos níveis comunitário, regional, nacional e global por proporcionar orientações técnicas, recursos financeiros e humanos necessários à implementação do programa de controlo da TB. Assim, a OMS aconselha que, a nível nacional, os governos desenvolvam e proporcionem recursos disponíveis suficientes para manter um Programa Nacional de Luta Contra a Tuberculose e, a nível dos organismos regionais ou distritais, que tomem a decisão relativamente à distribuição dos recursos. Recomenda ainda que exista, em média, uma unidade local de gestão de TB de forma a proporcionar o diagnóstico e o tratamento de uma população de 100 mil habitantes. Esta unidade deve ser inteiramente integrada nos serviços de saúde existentes. Assim, são os enfermeiros, com a sua formação profissional e o trabalho em parceria com a comunidade e com as pessoas com TB, que melhor informam da tomada de decisão estratégia e política, além de serem facilitadores a sua implementação (ICN, 2008).

2.  Acesso assegurado ao dispositivo laboratorial para microscopia da expectoração, de qualidade controlada para detecção de casos entre os indivíduos que se apresentem ou que são detectados em rastreio com sintomas de TB. É necessário dedicar especial atenção para a detecção de casos entre indivíduos VIH positivos, pessoas internadas em instituições e outros grupos de alto risco, como os contactos domésticos dos casos infecciosos;

Para o controlo eficaz da TB é necessário reduzir o foco de contágio na comunidade, encontrando e tratando os casos infecciosos. A análise bacteriológica de amostras de expectoração é o método mais fiável e efectivo em termos de custos para a identificação de casos infecciosos de TB. Além de ser um instrumento essencial de diagnóstico, a microscopia de amostra de expectoração também é utilizada para monitorizar o progresso de cada pessoa com TB.

O estabelecimento de um regime de tratamento que seja adequado e adaptado à situação individual da pessoa doente pode ser facilitado colocando cada pessoa na categoria de tratamento de TB apropriada. As categorias de diagnóstico são usadas para cada nova ou actual pessoa com TB, e podem ser modificadas em função dos resultados obtidos com a cultura e os testes de sensibilidade aos fármacos.

Os enfermeiros têm um papel determinante neste ponto da estratégia DOTS, pois são eles os responsáveis pelo aconselhamento à pessoa doente no sentido de produzir uma boa amostra de expectoração. São também aqueles que melhor acessibilidade garantem até ao momento para a entrega dessa amostra, ajudando desta forma a identificar os casos com risco para a saúde pública (ICN, 2008);

3. Quimioterapia estandardizada em regimes de curta duração para todos os casos, sob condições de gestão adequadas, incluindo a Toma Observada Directa (TOD). Condições adequadas para a gestão dos casos implicam serviços de tratamento tecnicamente sólidos e com suporte social;

Para além da premissa deste tratamento relativamente à abordagem centrada na pessoa doente é, imprescindível garantir a monitorização e acompanhamento individualizado de cada pessoa / família ao longo de todo o tempo de tratamento, pois só assim podemos ajudar a pessoa na adesão as seu regime terapêutico (ICN, 2008). Para os enfermeiros, estas questões são indissociáveis de um plano de tratamento padronizado em regime TOD.

4.  Fornecimento ininterrupto de drogas de qualidade garantida com sistemas de aquisição e distribuição fiáveis;

Dado ser imperativo que a pessoa com TB complete uma série inteira e ininterrupta de tratamento para prevenir a resistência aos fármacos, e dado que na maior parte dos países os fármacos TB são fornecidos a nível central, o governo deve comprometer-se a organizar e gerir recursos para garantir o fornecimento de modo contínuo dos fármacos TB, assegurando a qualidade e quantidade adequada às necessidades da população. O enfermeiro, pelo domínio e conhecimento dos contextos onde se inserem as pessoas com TB, pode potencializar e agilizar a gestão eficaz do medicamento.

5. Sistema de registo e análise de dados permitindo avaliar os resultados do tratamento em todos os doentes, assim como o desempenho do programa, sendo esta a base para sistematicamente se monitorizar o programa e se corrigirem os problemas identificados (WHO, 2004);

O registo e notificação padronizados avaliam de forma sistemática o progresso da pessoa com TB e o resultado do tratamento, dando uma imagem do desempenho global do programa. Neste âmbito, há quatro componentes essenciais: o registo laboratorial, o cartão de tratamento da pessoa com TB, o registo TB e os relatórios trimestrais. Assim, os sistemas exactos de registo e notificação são vitais para o controlo da TB.

No nosso entender, o papel do enfermeiro surge no reforço de cada um destes componentes, como essencial, estruturante, conciliador e articulando nas diversas vertentes da estratégia DOTS, sendo por isso o elemento privilegiado como maior oportunidade e proximidade do cidadão e das organizações de saúde para garantir a sua implementação na sua plenitude e abrangência.

O tratamento padronizado com TOD é só um dos diversos aspectos da estratégia DOTS, mas actualmente em Portugal ele representa muito mais de que uma simples administração observada de terapêutica. Na concretização desta intervenção, o enfermeiro tem a oportunidade de, intencionalmente, avaliar diversos factores, nomeadamente factores socioeconómicos e questões relacionadas com a organização do tratamento da tuberculose na comunidade; variáveis da pessoa com TB, variáveis do tratamento; tratamento dos efeitos adversos; variáveis da doença; o perfil da pessoa e adesão ao esquema terapêutico, a monitorização e o registo de efeitos adversos da terapêutica, aspectos de ordem psicossocial da pessoa / família e ainda promover a educação para a saúde e a gestão do regime terapêutico.

Na sua essência, a análise e a intervenção sobre estes aspectos é determinante para a implementação da estratégia DOTS e coadjuvante para o sucesso terapêutico. O enfermeiro surge, assim, claramente na linha da frente no concretizar de um tratamento padronizado como é a TOD – que se quer verdadeiramente efectivo na sua plenitude de objectivos, muito além da simples e redutora vigilância da ingestão de comprimidos.

Relacionado directamente com todos estes aspectos está o tempo médio de tratamento, que pode ir de um prazo mínimo de nove meses, no caso da TB sensível aos antibacilares de primeira linha, até aos 24 ou mais meses de tratamento, no caso da TB multirresistente ou extensivamente resistente. Além da premissa deste tratamento relativamente à abordagem centrada na pessoa doente, é imprescindível garantir a monitorização e acompanhamento de cada caso, pois só assim podemos ajudar a pessoa na adesão ao seu regime terapêutico, contribuindo de forma inalienável para o combate à maior ameaça que a TB nos coloca actualmente, que é o ressurgimento de formas resistentes à terapêutica de primeira linha.

A adesão ao tratamento, assente em estruturas perfeitamente desenvolvidas e onde o papel do enfermeiro é fundamental, reduz o desenvolvimento de resistências à terapêutica de primeira linha e é o principal motivo pelo qual a estratégia DOTS foi desenvolvida.
Os ganhos em saúde para o cidadão exigem regimes de tratamentos efectivos e a adesão a estes regimes. A adesão ao tratamento envolve muitas actividades da pessoa com TB. Alguns exemplos de actividades de adesão incluem: «tomar os medicamentos de forma apropriada; marcar consultas de cuidados de saúde e comparecer às mesmas; fazer mudanças no estilo de vida (…) gestão do stress, bem como a auto-gestão de outros comportamentos que melhoram a saúde e os resultados dos cuidados» (OE, 2009:9).
As implicações da não adesão ao tratamento são significativas, incluindo o aumento da morbilidade e mortalidade, redução significa da qualidade de vida para o próprio, assim como o risco aumentado do contágio para a população em geral e surgimento de novas formas de resistência à terapêutica antibacilar.

Enquanto prestadores de cuidados de saúde em quem as pessoas confiam no contínuo de cuidados, os enfermeiros encontram-se numa posição única para avaliar, diagnosticar, intervir e avaliar resultados nas questões relacionadas com a adesão.

A prática holística da Enfermagem inclui:
•  «Avaliar o risco de não adesão (incluindo aspectos físicos, mentais, comportamentais, sócio-culturais, ambientais e espirituais);
•  Identificar os diagnósticos e motivos para a não adesão;
•  Proporcionar intervenções apropriadas, adaptadas para o cliente, com base na avaliação;
•  Avaliar a adesão ao tratamento» (ICN, 2009:10).

De acordo com o seu mandato social e desempenho de papel na equipa de saúde, são particularmente os enfermeiros quem desenvolve, com os clientes, planos de gestão de regime terapêutico que, frequentemente, envolvem orientações de diferentes profissionais, terapêutica medicamentosa, modificações no estilo de vida e acompanhamentos que podem ser difíceis para as pessoas e as suas famílias. Decorrente da identificação que fazemos quanto às dificuldades e constrangimentos, cabe-nos planear com as pessoas e famílias para melhorar a adesão, ajudando a integrar os diferentes aspectos do regime terapêutico e constituindo-nos como parceiros e recurso (Nunes, 2009:III).

Assim, e no entendimento da situação concreta da TOD, o enfermeiro – através de um ciclo centrado na pessoa com TB de identificação das suas necessidades e diagnóstico de situação, prescrição de intervenção, implementação e avaliação – além de assegurar a administração da terapêutica prescrita, confere eficácia às medidas de controlo da tuberculose. Estas medidas têm de ser flexíveis e basear-se não só nas necessidades da pessoa, mas também da respectiva família e comunidade (ICN, 2008), princípios desde sempre defendidos pela principal estrutura mundial de controlo à tuberculose, a OMS.

O enfermeiro destaca-se também claramente na resposta a dar aos princípios organizacionais que concorrem para a estratégia DOTS. A disponibilidade de uma rede de estruturas descentralizadas para o diagnóstico e tratamento dos casos, baseada nos serviços de saúde existentes e integrada na rede dos Cuidados de Saúde Primários, assim como a boa gestão do programa de tuberculose, baseada na responsabilização e na supervisão dos profissionais de saúde (WHO, 2004), são disso evidente exemplo. O enfermeiro, é pois, o profissional que, decorrente da sua formação, mais e melhor se encontra capacitado na satisfação destes princípios.

Também na implementação das operações-chave da estratégia DOTS, este papel torna-se evidente nomeadamente ao:
1 - Preparar um plano de actividades e um manual do programa e estabelecer um sistema de registo e análise de dados que permita um estudo dos resultados do tratamento por coortes;
2 - Planear e iniciar um programa de formação de profissionais;
3 - Organizar serviços de tratamento dentro do sistema de Cuidados de Saúde Primários, onde é dada prioridade à TOD e à quimioterapia de curta duração;
- Assegurar um fornecimento regular dos fármacos e material de diagnóstico;
5  - Desenhar e implementar um plano de supervisão das operações-chave a nível distrital (WHO, 2004).

A própria OMS aponta que a existência de pessoal capacitado e muito motivado é fundamental para todo o programa de Saúde Pública. No entanto, os planos de desenvolvimento de recursos humanos elaborados pelos planos nacionais de luta contra a tuberculose têm uma qualidade muito variável (WHO, 2007), dependendo do contexto de cada País. Na situação de Portugal, tendo presente a disponibilidade e a competência dos profissionais de Enfermagem, será uma mais-valia para o cidadão individualmente e para a comunidade globalmente usufruir dos cuidados prestados por estes profissionais no combate e controlo da TB.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1
 International Council Nursing, (2008), Para enfermeiros no cuidado e controlo da Tuberculose e da Tuberculose Multiresistente. Geneva: ICN. Edição: Ordem dos Enfermeiros
2 International Council Nursing, (2009), Estabelecer parcerias com os indivíduos e as famílias para promover a adesão ao tratamento – Catálogo da Classificação para a prática de enfermeiros. Edição: Ordem dos Enfermeiros.
3 Nunes, Lucília in International Council Nursing, (2009), Estabelecer parcerias com os indivíduos e as famílias para promover a adesão ao tratamento – Catálogo da Classificação para a prática de enfermeiros. Edição Ordem dos Enfermeiros.
4 World Health Organization, (2004), Global Tuberculosis Control: Surveillance, Planning, Financing. WHO report 2004. Geneva
5 World Health Organization, (2007), Global Tuberculosis Control – Surveillance, Planning, Financing. WHO Report 2007, Geneva.
6 World Health Organization, (2007), New technologies for Tuberculosis control: a framework for their adoption, introduction and implementation. WHO/HTM/STB/2007.40
7 World Health Organization, (2007), Report of the meeting of the WHO Global Task Force on XDR-TB.
8 World Health Organization, (2009), Global Tuberculosis Control: epidemiology, strategy, financing. WHO Report 2008. Geneva: WHO/HTM/TB/2009.411.ISBN 978 92 4 156380 2 (NLM classification: WF 300)

Enf.ª Helena Pestana,
Coordenadora do Grupo de Trabalho «STOP TB - Os enfermeiros na linha da frente»

Ana Saianda