Repor a verdade sobre a Prática Profissional Tutelada («Internato») é um imperativo

Repor a verdade sobre a Prática Profissional Tutelada («Internato») é um imperativo

O Correio da Manhã publicou uma página do seu jornal sem que tenha procurado conhecer nem a razão nem a ancoragem da proposta de Decreto-Lei que se encontra para aprovação em Conselho de Ministros e que decorre de uma decisão unânime da Assembleia da República. Já posteriormente o jornal publicou uma curta nota que não espelha a totalidade da posição da Ordem dos Enfermeiros (OE) sobre o Modelo de Desenvolvimento Profissional (MDP), vulgarmente designado por “Internato”.

As instituições formadoras têm a responsabilidade da formação. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) a responsabilidade da sua regulação e controlo. Seria expectável que estas entidades não utilizassem a formação em Enfermagem para apenas garantir as estatísticas do aumento do número de licenciados em Portugal e tivessem a coragem política para desenvolver um plano estratégico que conduzisse ao reordenamento da rede de oferta formativa que, pelo volume e dispersão, é em algumas situações deficitária de uma verdadeira massa crítica, em termos de qualidade.

A responsabilidade da OE é garantir aos cidadãos mais e melhores cuidados de saúde e hoje mais de 50 por cento dos jovens formados não têm acesso à actividade profissional no primeiro ano após o terminus da sua graduação, perdendo com isso muitas das competências.

Muitos jovens são contratados para tarefas que não têm a ver com a sua formação, outros são utilizados para fazer estágios gratuitos sem suporte e apoio e outros ainda optam por sair do país. Estas conclusões estão patentes num estudo recentemente divulgado pela OE sobre a situação profissional dos jovens enfermeiros, que pode ser consultado no nosso site em www.ordemenfermeiros.pt/comunicacao/Paginas/DivulgacaoEstudoSituacaoProfissionalJovensEnfermeiros2010 .

Este panorama demonstra a falácia das afirmações de que o novo modelo impede o acesso à actividade profissional, escamoteando que a saúde dos cidadãos exige cada vez mais dos profissionais a assunção da responsabilidade profissional, ética e deontológica, que implica condições para a sua interiorização e capacitação.

Os enfermeiros lidam com a vida das pessoas, o sofrimento e angústia destas. A segurança dos cuidados é suportada nas decisões profissionais que só podem ser vivenciadas pelos enfermeiros enquanto profissionais e não como estudantes. Nessa última condição não podem responder por uma prática profissional autónoma porque a não podem exercer. Estão em processo formativo, da responsabilidade das escolas e seus docentes, que maioritariamente não estão na prática de cuidados, recorrendo por isso a enfermeiros orientadores dos serviços de saúde.

De que têm medo as entidades formadoras e o MCTES? Porque persistem estas entidades em usar da prerrogativa da sua responsabilidade na formação, marcada hoje por uma profunda desregulação da oferta, querendo interferir na esfera de competências da regulação profissional?

Efectivamente a regulação profissional da competência da OE, por decisão da AR, é discutida e decidida pelos enfermeiros no quadro estatutário que cabe à Assembleia Geral. No entanto, não nos devemos esquecer que os docentes de Enfermagem também são enfermeiros e, nesse quadro, participam como os restantes nos espaços de decisão da sua Ordem.

Mas o que está em causa neste momento é regular uma Lei da Assembleia da República e não discutir o sim ou não a um período de prática tutelada / exercício profissional, que estas entidades teimam em associar aos ensinos clínicos de que são responsáveis. Lamentamos o equívoco.

Facilmente se perceberá que o que está em causa não é negar o acesso à actividade profissional mas, sim, e antes de tudo, garantir mais e melhores condições neste acesso e, consequentemente, mais segurança para os cuidados que os enfermeiros têm a responsabilidade de oferecer.

Mais, quando é afirmado pelas instituições formadoras que é um «desperdício» os custos que estão envolvidos neste «Internato» é lamentável que não façam contas ao desperdício que significa ter jovens enfermeiros, por si formados, a quem hoje são negadas condições de acesso à actividade profissional com a dignidade e segurança que os cuidados que se prestam exigem.

Preferir lançar jovens sem qualquer apoio a regular um período de transição e consolidação da responsabilidade profissional é uma escolha irresponsável perante a sociedade, a profissão e os jovens que terminam a sua licenciatura. Mas não referem que a dinâmica que este «Internato» promoverá é também uma mais-valia para as organizações de saúde, se atendermos a que é promotor de melhoria de qualidade decorrente do reconhecimento de idoneidade dos respectivos serviços. Esperamos que o Governo cumpra a sua responsabilidade de legislar o que a Assembleia da República decidiu que deve ser legislado.  

 

Enf.ª Maria Augusta Sousa,

Bastonária da Ordem dos Enfermeiros

Ana Saianda