Ordem dos Enfermeiros aponta aspetos positivos e negativos das recomendações do FMI

Ordem dos Enfermeiros aponta aspetos positivos e negativos das recomendações do FMI

A divulgação pública do Relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) intitulado «Rethinking The State—Selected Expenditure Reform Options» está gerar um debate alargado na opinião pública, do qual a Ordem dos Enfermeiros – enquanto instituição representativa de um importante grupo profissional e que zela pela qualidade dos cuidados de Enfermagem prestados à população – não pode nem deve alhear-se.

Assim, e no que diz respeito à Saúde, considera-se que o FMI apresenta recomendações positivas e negativas.
 
Entre as propostas positivas encontram-se:



                  1. O reconhecimento de que é necessário contratar mais enfermeiros.

Tal como o FMI refere citando dados da OCDE, Portugal tem enfermeiros a menos: em 2010 existiam 3,8 médicos por 1000 habitantes, enquanto o rácio de enfermeiros era de 5,7/1000 habitantes. Considerando a média da OCDE de 3,1/1000 hab. para médicos e de 8,7/1000 hab. para enfermeiros, podemos dizer que Portugal tem três enfermeiros a menos por cada mil habitantes.

O relatório da OCDE a que o FMI recorreu também refere que em 2010, o rácio de enfermeiro / médico em Portugal situou-se em 1,5, um número significativamente abaixo da média dos países da União Europeia – que foi de 2,5.

Recorde-se que a Ordem dos Enfermeiros (OE) tem vindo a alertar para esta disparidade de números e está num processo de negociação com o Ministério da Saúde para a aplicação de experiências-piloto ao nível da dotação de serviços com rácios adequados e seguros de enfermeiros.
 

                  2. A necessidade de criar as condições para que os enfermeiros possam aplicar todas as competências que já detêm e que estão a ser desperdiçadas.
 
Com esta recomendação, o FMI junta-se assim a instituições como a OCDE, OMS e Entidade Reguladora da Saúde, entre outras, que anteriormente também diagnosticaram esta necessidade. Aliás, o mais recente relatório da OCDE encara o reforço do papel dos enfermeiros, nomeadamente nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) como fator de cuidados custo-eficientes e um contributo importante para a sustentabilidade do sistema. Dando o exemplo de países como a Finlândia, Reino Unido, Canadá e Estados Unidos da América, o investimento nos enfermeiros, em especial nos enfermeiros especialistas, permitiu reduzir tempos de espera, aumentou a satisfação dos clientes e reduziu custos.

O FMI junta-se, também, a personalidades de renome na área da Saúde – nomeadamente médicos – que manifestaram concordância com esta filosofia. Estamos a falar do Prof. Miguel Oliveira e Silva, Presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida; Prof. João Lobo Antunes, Presidente do Instituto de Medicina Molecular; Dr.ª Ana Jorge, ex-Ministra da Saúde; Prof.ª Maria do Céu Machado, ex-Alta Comissária da Saúde e do Dr. Jorge Roque da Cunha, Secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos.

A OE tem defendido junto do poder político as mais-valias de um paradigma assente na promoção da saúde/prevenção da doença, referindo que os enfermeiros especialistas dos CSP estão aptos a fazer o seguimento de grávidas de baixo risco e doentes crónicos. Nesta nova filosofia de organização e prestação de cuidados, o Enfermeiro de Família desempenha um papel central enquanto gestor do processo de saúde/doença das famílias. Por isso, esperamos que a legislação que cria a figura do Enfermeiro de Família – e que está a ser desenvolvida por um grupo de trabalho conjunto Ordem/Ministério da Saúde – seja publicada durante o primeiro trimestre deste ano.

Esta mudança de paradigma, associada à criação de mais Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC) e Unidades de Saúde Familiar (USF) – aspetos fulcrais da reforma em curso nos CSP – permitirá uma efetiva reforma do sistema e facilitará a efetividade de outras medidas, como é o caso da anunciada redução no número de camas hospitalares.  

                 3. O conjunto de medidas que visam corrigir ineficiências, reduzir o recurso a horas extraordinárias, reforçar a aposta nos centros de saúde e nos cuidados continuados. 

A Ordem dos Enfermeiros considera que os custos de ineficiências/desperdícios e de benesses concedidas a determinados profissionais devem ser realocados no que efetivamente pode fazer a diferença, como por exemplo dotar os serviços de proximidade de equipamento e recursos humanos imprescindíveis. Esta solução será sempre preferível a cortes salariais.

                 4. Extinção progressiva dos subsistemas públicos de saúde e sua integração no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
 
Se o SNS tiver condições para melhorar o seu desempenho e dar resposta a este «acréscimo de utentes», os subsistemas tornam-se desnecessários e apenas contribuem para a insustentabilidade do sistema.
 

Entre as propostas negativas encontram-se:

                1. O aumento das taxas moderadoras.

As famílias portuguesas atravessam enormes dificuldades e esta medida tornaria totalmente incomportável para uma percentagem ainda mais alargada da população o acesso aos serviços de saúde.

A OE defende inclusivamente que as taxas moderadoras nos Cuidados de Saúde Primários sejam abolidas (uma vez que os CSP são a porta de entrada no sistema). Mais recentemente solicitámos que o Ministério isente de taxas moderadoras todas as crianças e jovens até aos 17 anos e 364 dias. Pretende-se assegurar que um maior acesso aos cuidados de saúde de crianças e jovens – especialmente as mais carenciadas – contribua para o seu pleno desenvolvimento enquanto seres humanos.

                2. A existência de uma carteira mínima de serviços no SNS.

Os excelentes indicadores de saúde da população portuguesa são resultado, entre outros aspetos, de um acesso universal a cuidados de saúde. Se esse paradigma se alterasse, as consequências para a Saúde Pública seriam dramáticas, todo o investimento feito até ao momento cairia por terra e os custos financeiros, sociais e humanos seriam agravados a médio e longo prazo.

A Ordem dos Enfermeiros refuta por completo esta recomendação, uma vez que ela se traduziria na extinção do SNS

O Bastonário
Enf. Germano Couto

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