Bastonário empossado diz não aceitar que os «gestores organizacionais continuem a tratar os enfermeiros como fantasmas nos serviços de saúde»

Bastonário empossado diz não aceitar que os «gestores organizacionais continuem a tratar os enfermeiros como fantasmas nos serviços de saúde»

O novo Bastonário da Ordem dos Enfermeiros tomou ontem posse no Auditório da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, perante uma sala cheia e com um discurso muito crítico, mesmo na presença do Ministro da Saúde, Dr. Paulo Macedo.

O Enf.º Germano Couto, Bastonário empossado, identificou desde logo alguns dos problemas que atingem a profissão: «Nos últimos anos, percebe-se a crescente degradação das condições de exercício profissional dos enfermeiros, a falta de reconhecimento pelo poder político e organizacional do papel da Enfermagem, a debilidade do Serviço Nacional de Saúde e o elevado risco para o cidadão da degradação do seu acesso a cuidados de saúde».

O novo Bastonário não escondeu o cenário negro que se vive e o quadro de crise «que o país não vivenciava há mais de 40 anos». A par disso, referiu, «a nossa profissão está em desalento, rodeada por uma rede de incompreensão, desvalorização e desrespeito». E o sistema de saúde necessita de mudança, «fruto da ingerência, irresponsabilidade e decisões políticas erradas de alguns».

Perante um quadro obscuro, o novo bastonário instou os presentes a não baixarem os braços, a enfrentar os desafios com «dedicação e espírito de grupo», apelando à união da profissão.

«Os enfermeiros têm sido os que correm riscos, fazem parte dos que agem, dos que fazem as coisas – alguns reconhecidos, mas mais frequentemente mulheres e homens desconhecidos no seu labor que nos conduziram por um longo e acidentado caminho rumo à valorização e ao reconhecimento. Para onde quer que olhamos, há trabalho a fazer. O estado da saúde em Portugal pede ação corajosa e rápida, e nós, enfermeiros, vamos agir – não só para criar maior proximidade de cuidados, mas para lançar novas bases de crescimento da saúde para todos os cidadãos», sublinhou o Enf.º Germano Couto.

Solução dos problemas financeiros do SNS não está nas taxas moderadoras

O Bastonário deixou claro que irão identificar, priorizar e vencer os desafios que se colocam à Enfermagem e aos enfermeiros. Considerou, desde logo, que é preciso: uma «maior alocação de recursos financeiros na prevenção e nos Cuidados de Saúde Primários»; e uma «revisão do modelo de financiamento das instituições, onde os resultados dos cuidados de Enfermagem sejam reconhecidos e contabilizados».

O Enf.º Germano Couto considerou que a responsabilização dos gestores é vital para combater a ineficiência e os problemas crónicos de insustentabilidade financeira do sistema.

Nessa altura, o dirigente deixou também um recado ao poder político que lhe valeu um forte e entusiástico aplauso dos cerca de 400 enfermeiros presentes na plateia: «A Ordem dos Enfermeiros não aceita que o poder político e os gestores organizacionais continuem a tratar a Enfermagem e os enfermeiros como fantasmas nos serviços de saúde e nos resultados em ganhos em saúde da população».

O enfermeiro disse ainda que se, nos últimos 10 anos, tivesse havido um investimento sério nos cuidados de Enfermagem existiriam: «índices de incapacidade mais baixos na sociedade portuguesa»; «doenças crónicas mais controladas, menos agudizações e complicações»; «uma gestão das terapêuticas medicamentosas mais custo-efetivas»; «uma população com maiores índices de literacia em Saúde»; «menos descontinuidade nos cuidados e menos ineficiência nos seus processos».

O Enf.º Germano Couto referiu também que a solução para os problemas financeiros do SNS não está «no aumento dos recursos financeiros por via das taxas moderadoras», mas «na reengenharia dos processos das organizações de saúde e na maximização e majoração das competências da Enfermagem portuguesa».

Jovens enfermeiros empurrados para o desemprego e para a emigração

Também a Bastonária cessante, a Enf.ª Maria Augusta Sousa, se referiu a um paradoxo: «Não obstante os sistemáticos alertas realizados, assistimos a um fenómeno impensável para muitos de nós. Não estando cobertas as respostas às necessidades em cuidados de Enfermagem, o país desperdiça o investimento feito na qualificação dos seus recursos, empurrando muitos jovens enfermeiros para o desemprego, para a precaridade e para a emigração, com a consequente desvalorização socioeconómica do valor dos cuidados de Enfermagem».

A Enf.ª Maria Augusta Sousa alertou ainda para a «desregulação da oferta formativa» a que se assiste, e que qualificou como «uma ameaça objectiva à qualidade dos recursos que formamos».

Na presença do Dr. Paulo Macedo, a Bastonária cessante desafiou o poder político a reconhecer «o efectivo valor dos cuidados de Enfermagem» (por se tratar de mais-valias para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde e para os utentes), e a conferir um conjunto de competências que não têm sido devidamente reconhecidas e valorizadas na gestão das unidades de cuidados.

Aos novos órgãos empossados, a Enf.ª Maria Augusta Sousa referiu estar certa que saberão valorizar o «património construído», desejando a todos os maiores sucessos na nova etapa que agora se inicia.

Ministro da Saúde conta com a motivação dos enfermeiros para alcançar metas

Já o Ministro da Saúde enalteceu o trabalho desenvolvido com a OE, nomeadamente com a Enf.ª Maria Augusta Sousa nestes meses de mandato, permitindo ultrapassar a renovação de muitos contratos de enfermeiros que cessavam no final de 2011. Lembrou ainda que «os enfermeiros são um dos pilares do Sistema de Saúde

Português» e um «elo forte na cadeia de valor da prestação de cuidados de saúde».

Não obstante esse facto, Portugal enfrenta um cenário de grandes restrições económicas, insistiu o governante, «pelo que contamos com a motivação dos profissionais para alcançarmos as metas que nos propomos atingir».

Já no final da sua intervenção, o Dr. Paulo Macedo disse acreditar que o sistema de saúde irá ser mais eficiente graças às capacidades dos enfermeiros que poderão contribuir para o acompanhamento, despiste e monitorização da saúde dos cidadãos, de uma forma mais acentuada. Referiu-se concretamente à reorganização dos Cuidados de Saúde Primários e ao aproveitamento das capacidades existentes dos enfermeiros, «possibilitando um maior acompanhamento dos doentes crónicos e noutras múltiplas tarefas».

Nesta cerimónia, a par do Bastonário empossado, tomaram ainda posse os órgãos nacionais – o Presidente da Mesa da Assembleia Geral, o Conselho Directivo, o Conselho Jurisdicional, o Conselho Fiscal, o Conselho de Enfermagem, seis Mesas dos Colégios da Especialidade – e os órgãos regionais relativos à Secção Regional do Centro, do Norte e do Sul.

Ana Saianda