Aumento do número de enfermeiros reduz custos com Saúde entre as principais conclusões do III Congresso da Ordem dos Enfermeiros

Aumento do número de enfermeiros reduz custos com Saúde entre as principais conclusões do III Congresso da Ordem dos Enfermeiros

3 de Junho de 2011 – «Num contexto de múltiplos factores que afectam custos, um maior rácio de enfermeiros por médicos traduz-se em menores custos». Esta foi a principal conclusão da apresentação feita esta tarde pelo Prof. Pedro Pita Barros, docente da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, no âmbito do III Congresso da Ordem dos Enfermeiros, que decorreu a 2 e 3 de Junho, no Centro de Congressos de Lisboa.

De acordo com aquele prelector, este efeito teve por base dados de desempenho do Serviço Nacional de Saúde relativos a 2005 e manifesta-se com clareza nos centros de saúde, sendo que nos hospitais «o efeito vai no mesmo sentido». Por isso, estamos perante «uma evidência preliminar» alinhada com efeitos semelhantes descritos na literatura internacional.

A análise efectuada pelo Prof. Pedro Pita Barros abordou ainda a relação entre o rácio de enfermeiros / médicos e o salário médio destes dois grupos profissionais. E aqui constatou-se que a utilização de um rácio favorável aos enfermeiros é economicamente mais vantajoso.

Difícil cumprimento do acordo com a “Troika”

O Dr. Jorge Simões, Presidente da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), referiu-se hoje ao momento político-económico que se vive. O orador acredita que «o acordo com a “Troika” obriga a uma contracção muito significativa da despesa» e que o próximo Governo terá pouca margem de manobra para alterar o que já foi firmado. Contudo, as possíveis alterações ao acordo não poderão pôr em causa o acesso aos cuidados de saúde, enfatizou.

«É necessário identificar todas as consequências para a Saúde do Memorandum da Troika», acrescentou, acreditando que este entendimento «não põe em causa o actual modelo de sistema de saúde português», o qual assenta num «financiamento primordialmente público».

O ex-assessor do Presidente da República Dr. Jorge Sampaio crê, no entanto, que será difícil cumprir o corte das despesas hospitalares em 200 milhões de euros (entre 2011 e 2012), conforme acordado. Este «emagrecimento público» irá suceder provavelmente à «custa da Saúde», na medida em que dificilmente se conseguirá mais cortes nos encargos com a administração pública (reduções de vencimentos, horas extra, por exemplo).

Rever os actuais subsistemas públicos e reduzir a despesa com meios complementares de diagnóstico e terapêutica em 20% (no espaço de dois anos) são opções que podem estar em cima da mesa, mas o Presidente da ERS preferiria «rever o actual modelo de convenções», embora não esqueça «que o abaixamento do preço das convenções tem riscos».

A complementaridade «é um caminho irreversível»

A complementaridade na Saúde «é um caminho irreversível» e por isso, as diferentes profissões não se podem esquecer que os diagnósticos são feitos «de acordo com a natureza, disciplina e normas de cada profissão», que há «partilha de saberes» e que as intervenções devem ser multidisciplinares. Só assim se conseguirá uma melhor reorganização dos cuidados. Foi desta forma que a Enf.ª Maria Augusta Sousa concluiu a sua apresentação no âmbito de uma sessão que, esta manhã, reuniu à mesma mesa os bastonários da Ordem dos Enfermeiros (OE), Farmacêuticos, Médicos Dentistas, Psicólogos e o Presidente do Conselho Regional do Sul, em representação do Bastonário da Ordem dos Médicos.

Para a Enf.ª Maria Augusta Sousa, não há uma definição exacta de complementaridade em Saúde, mas a ideia que está na sua base é a de que «em Saúde, não é possível ter respostas sem a intervenção de vários profissionais, que têm de ser complementares e autónomas». A terapêutica decorrente do diagnóstico médico compete ao médico. Quem faz diagnósticos de Enfermagem – como por exemplo a identificação da necessidade de uma cadeira de rodas – «deve poder prescrever» essa «ajuda técnica» porque assim fará uma intervenção completa e «terá condições para afirmar que a sua intervenção teve mais-valias».

Também Orlando Monteiro da Silva, Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, não vê razão para que os enfermeiros, farmacêuticos e psicólogos não possam prescrever, desde que essa prescrição se faça dentro «do âmbito da sua intervenção», tal como acontece com os médicos dentistas. Aliás, a realidade deste grupo profissional poderá ser tida como exemplo «de que a “subsidiariedade” entre profissões pode funcionar». 

A complementaridade é algo que foi aceite pelos restantes intervenientes na sessão, até porque está directamente relacionada com a sustentabilidade do sistema.

Contudo, o Prof. Pereira Coelho, Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, afirmou que da pesquisa efectuada relativamente a países onde foram implementados protocolos de intervenção e equipas de «skill mix», «houve um aumento de custos». O mesmo prelector referiu que esta é uma discussão que tem de ser feita – e por isso a Ordem dos Médicos está disponível para «discutir modalidades de cooperação». Todavia, é uma reflexão que não pode estar «condicionada por factores económicos».

 Já o Prof. Telmo Baptista, Bastonário dos Psicólogos, considera que as várias profissões deveriam «desenvolver algoritmos de actuação com orientações sobre as diferentes intervenções», não esquecendo nunca que a pessoa deve estar no centro das atenções. Estes modelos de intervenção permitem introduzir «racionalidade, evitando duplicações e sobreposições».

Por sua vez, o Prof. Carlos Maurício Barbosa, Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, propôs que se fale da «capilaridade do sistema», como consequência da complementaridade. Essa capilaridade deverá ter início nos Cuidados de Saúde Primários – por oferecerem cuidados de maior proximidade com os cidadãos – e depois evoluir para as unidades hospitalares e para os Cuidados Continuados. Mas isso implica que haja «articulação entre profissionais, gestão integrada da doença e da terapêutica».

Prescrições por enfermeiros

A questão do reforço de competências por parte dos vários profissionais de saúde foi igualmente um tema em destaque no primeiro dia do III Congresso da Ordem dos Enfermeiros. «Recusamos qualquer lógica de substituição de uns profissionais por outros. Mas sabemos que é possível fazer caminho no sentido de aproveitar mais o que cada um pode oferecer de melhor, recriando novas formas de organização dos cuidados», afirmou a Bastonária da OE, no decurso da sessão oficial de abertura e perante uma plateia de cerca de 1.000 participantes e de individualidades do sector da Saúde.

Para a Enf.ª Maria Augusta Sousa, a Enfermagem e os enfermeiros portugueses têm um «potencial que, quando desperdiçado, é a saúde dos portugueses» que sai a perder».

Mais: «Não podemos, em Portugal, continuar a alimentar uma cultura de consumo em saúde porque a Saúde não é um negócio», enfatizando a necessidade de «compromissos de ordem política». Nesse sentido, a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros anunciou a realização de reuniões com vários partidos políticos, tendo-os desafiado «para a celebração de um pacto político para a Saúde» que envolva todos os profissionais.

Perante a mesma plateia de congressistas, a Ministra da Saúde começou por salientar que «o enfermeiro tem uma valorização como nunca teve no contexto das profissões da Saúde em Portugal». A Dr.ª Ana Jorge enalteceu também o papel desta classe profissional na «construção daquela que é uma das maiores conquistas da nossa democracia» (o Serviço Nacional de Saúde) e que tem contribuído decisivamente para a melhoria dos indicadores em saúde nas últimas década em Portugal.

«Os enfermeiros têm tido sempre a capacidade de se adaptar às mudanças e de muitas vezes estarem à frente dessas mesmas mudanças», defendeu a governante, numa clara alusão à discussão que os enfermeiros estão a encetar em torno das prescrições.

«A prestação de cuidados de saúde não começa nem acaba apenas nos médicos», disse a Dr.ª Ana Jorge, que se referiu insistentemente à importância da complementaridade e interdisciplinaridade do trabalho dos profissionais de saúde se se quiser colocar «o doente no centro da prestação de cuidados».

Na tarde de 2 de Junho, na sessão dedicada «A intervenção dos enfermeiros na reorganização dos serviços de saúde», a Enf.ª Lucília Nunes, Presidente do Conselho de Enfermagem da OE, identificou sete tipos de prescrições na área da Enfermagem: de cuidados, resultantes dos diagnósticos de Enfermagem; de exames complementares decorrentes das intervenções dos enfermeiros; de dispositivos; de meios de apoio / ajudas técnicas; de terapêuticas farmacológicas em emergência; de tratamento com terapêutica não farmacológica; e a prescrição relativa à decisão da implementação de protocolos ou planos de intervenção.

Ao longo dos dois dias, mais de 20 conferencistas passaram pelo Auditório I do Centro de Congressos de Lisboa, debatendo temas como «a inclusão do cidadão na decisão em saúde», «Enfermagem de Família», «Gestão de doença crónica» e «O enfermeiro na gestão dos serviços de saúde».

 

lneves