Qualificações profissionais e cuidados transfronteiriços dominam debate «Saúde nas Europeias»

Qualificações profissionais e cuidados transfronteiriços dominam debate «Saúde nas Europeias»

No dia em que celebrou o seu 16º aniversário e a um mês das eleições para o Parlamento Europeu, a Ordem dos Enfermeiros (OE) realizou o debate «Saúde nas Europeias». O objetivo da iniciativa foi sensibilizar os candidatos a eurodeputados para os desafios/problemáticas que a Enfermagem portuguesa enfrenta e abordar o papel daquele hemiciclo na área da Saúde, dos Assuntos Sociais e da mobilidade profissional dentro da Europa.

A modernização da Diretiva relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais e a transposição da Diretiva relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados transfronteiriços foram temas desenvolvidos ao longo do debate. Ficou patente a necessidade de construir uma Europa dos cidadãos, mais solidária, mais participativa e onde haja um verdadeiro combate aos interesses. A interligação entre a crise económica atual e os efeitos do Memorando da Troika, nomeadamente a saída de mão-de-obra qualificada tão necessária ao nosso País e a necessidade da Saúde ser vista como um bem e não como um serviço/mercadoria, foram questões consensualizadas neste encontro.

O Bastonário da OE, Enf.º Germano Couto, começou por referir que «16 anos após a criação desta associação profissional de direito público, somos hoje mais de 65 mil enfermeiros e, apesar de estarmos a passar por um contexto socioeconómico desfavorável, a Enfermagem portuguesa não esmorece e continua a pugnar pela segurança e qualidade dos cuidados prestados à população».

 


Como moderadora do debate, a Enf.ª Isabel Oliveira, Presidente do Conselho Diretivo da Secção Regional do Centro, realçou que «no âmbito da União Europeia (UE), a política de saúde apenas complementa as políticas nacionais de forma a garantir que todos os cidadãos têm acesso a cuidados de saúde de qualidade. Apesar da organização e prestação de cuidados serem da responsabilidade de cada Estado-membro (EM), a União procura ajudar os países a alcançar objetivos comuns. Entre os principais desafios encontram-se: a sustentabilidade dos sistemas de saúde que têm de se adaptar às mudanças demográficas, tirando partido da tecnologia e procurando melhor a sua eficiência e sustentabilidade; o envelhecimento populacional e as incidências das várias patologias ligadas à idade; as desigualdades no acesso à saúde; a emergência de novos problemas de saúde, novas doenças e a segurança da saúde; e as ameaças transfronteiriças». 

Reconhecimento das qualificações profissionais (Diretiva 2013/55/EC) e Cuidados Transfronteiriços (Diretiva 2011/24/EU)

No entender da Dr.ª Ana Clara Birrento, candidata pela Aliança Portugal (coligação PSD – CDS/PP), «o reconhecimento das qualificações é essencial para a criação de um espaço aberto ao nível da educação, da formação e do emprego» e aqui a aposta do Parlamento Europeu deve passar pela criação de novas medidas de emprego.

Sobre esta preocupação da OE, o Dr. João Lavinha, candidato pelo Bloco de Esquerda (BE), concorda com a necessidade de uma harmonização das autoridades competentes dos EM, na área da Enfermagem, a fim de facilitar e agilizar o reconhecimento das qualificações profissionais. Mas é preciso que «se verifiquem dois pré-requisitos: que a harmonização se faça pelos mais altos padrões de qualidade e que não seja demasiadamente rígida, ou seja, que tenha algum grau de flexibilidade que permita alguma adaptação às condições regionais ou locais no espaço da União».

Sobre o exercício profissional do enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica (EEESMO), o investigador referiu o modelo britânico, em que o «EEESMO realiza o aconselhamento genético de casais em risco de doenças genéticas mais simples, em que faz a datação ecográfica da gestação no contexto da IVG medicamentosa ou a monitorização do desenvolvimento normal dos lactentes durante o primeiro ano de vida, ficando para o pediatra apenas o atendimento dos casos desviantes em relação ao padrão pediátrico-obstétrico».

O candidato a eurodeputado mencionou ainda a sua perplexidade relativamente às competências que a Diretiva 2013/55/EC incorpora no sentido em que sendo oito, só uma faz «efetivamente apelo à colaboração interdisciplinar» dos vários profissionais de saúde.

Por seu lado, o Enf.º Miguel Rasquinho, candidato a eurodeputado do Partido Socialista (PS), começou por referir que a profissão lhe permite conhecer e estar mais perto da comunidade e neste sentido aceitou ser candidato às eleições para o Parlamento Europeu, para fazer ouvir a voz dos enfermeiros e dos cidadãos portugueses. Para o ex-presidente da Câmara Municipal de Monforte, «a regulamentação do reconhecimento profissional dos diferentes profissionais de saúde é de extrema importância, uma vez que assistimos atualmente a um aumento da circulação destes profissionais por toda a União Europeia».

 


Para a candidata da Coligação Democrática Unitária (CDU), Dr.ª Carla Cruz, «as eleições para o Parlamento Europeu ocorrem num dos momentos mais sombrios da nossa história recente», onde «é evidente o benefício das unidades privadas em detrimento das unidades públicas e do SNS», como comprova um estudo do Instituto Nacional de Estatística (INE). «Este benefício está bem patente na transposição da Diretiva 2011/24/CE relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados transfronteiriços. Esta diretiva não está desligada dos objetivos da liberalização generalizada e da privatização dos cuidados de saúde, quer seja dos Cuidados de Saúde Primários, quer seja dos cuidados de saúde hospitalares, assim como agudiza e acentua as desigualdades sociais».

Para a Dr.ª Carla Cruz, o diploma em questão «visa a criação de um sistema de saúde a duas velocidades: um serviço público desqualificado e degradado para os mais pobres, centrado num conjunto mínimo de cuidados de saúde e, um outro, centrado nos seguros privados de saúde, na prestação de cuidados por unidades de saúde privadas para os cidadãos mais favorecidos».

Uma Europa mais unida e interventiva

Para o Dr. Marinho Pinto, cabeça de lista do Movimento do Partido da Terra (MPT), «não há nada que se possa reivindicar na União Europeia que não deva ser reivindicado em Portugal em primeiro lugar». Mas como é que se pode ir reivindicar para a UE mais saúde quando em Portugal se faz o contrário, questionou o ex-bastonário da Ordem dos Advogados. Assim, «para construir a Europa é necessário motivar os cidadãos, levar as pessoas a acreditar neste projeto da União. É necessário que haja uma Europa dos cidadãos, onde a voz dos cidadãos seja ouvida e respeitada. É preciso que os interesses das pessoas estejam em primeiro lugar, por isso, devemos combater o carreirismo político. A política em Portugal tornou-se num grande “polvo clientelar” que serve os interesses de algumas pessoas».

«É preciso combater a Europa dos interesses, que dá mais direito às mercadorias do que dá às pessoas», refere o Dr. Marinho Pinto acrescentando mesmo que «os serviços e produtos circulam mais rapidamente e mais à vontade pelo espaço europeu do que os próprios cidadãos».

Por sua vez, o Enf.º Miguel Rasquinho referiu que «o tema da Saúde, ao ser tratado à escala europeia, deve ter uma participação mais efetiva de todos os profissionais de saúde» porque todos eles são importantes na prestação de cuidados, cada um com o seu papel, onde a falta de um dos profissionais tem consequências no trabalho desenvolvido pelos restantes. Na mesma linha de pensamento mencionada pelo Dr. Marinho Pinto, o enfermeiro referiu que «devem ser as ordens profissionais a delinear as linhas mestras daquilo que deve ser a Saúde em toda a Europa», mas não só: «também as associações dos prestadores de serviços e as associações dos utentes devem ter uma palavra» ativa nesta matéria.

Para a Dr.ª Carla Cruz, o afastamento dos portugueses em relação à UE não é só da responsabilidade dos agentes políticos, mas também da comunicação social.

 



Na opinião do Enf.º Miguel Rasquinho, existem duas velocidades em Portugal: uma no interior do País, onde há uma maior consciência do que é a UE e outra nas grandes cidades. Para o candidato a eurodeputado, «este afastamento está muito ligado ao papel dos políticos dentro do próprio País» e ao «desinvestimento nos programas que apresentavam a União Europeia aos jovens».

«Há um défice democrático» referiu a Dr.ª Ana Clara Birrento. Neste sentido, «devemos trazer a dimensão europeia à sociedade civil, falar claro sobre estas temáticas e colocar os jovens a pensar sobre estes temas». É fundamental «levar as pessoas a perceber o que são as instituições europeias, transmitindo-lhes confiança. Deixar de pensar a Europa de uma forma intelectualizada» e passar a fazê-lo «de uma forma mais prática».

Para a candidata pela Aliança Portugal, as eleições europeias de 25 de maio são vistas como o momento para «recuperar a confiança no projeto da União». Neste sentido, deve apostar-se «na criação de uma Europa mais ativa e menos reativa. Uma Europa mais audaz e mais solidária, onde todos têm a responsabilidade de pugnar para aproximar os cidadãos da Europa às suas instituições, desenvolvendo assim um verdadeiro sentimento europeu. Só assim os deputados europeus conseguirão ser os legítimos representantes dos portugueses na Europa».

Saúde como um bem e não como mercadoria

No âmbito da UE, a Saúde insere-se na área do Mercado Interno e Serviços onde os cidadãos são tratados por consumidores. Para a Dr.ª Carla Cruz, a «liberalização dos serviços sujeita a Saúde à lógica do mercado e da concorrência, o que levará a uma destruição do SNS tal como o temos hoje». Sobre a emigração de enfermeiros, a deputada refere que estes não vão fazer falta daqui a 10 anos, mas «já hoje fazem falta ao SNS e, neste sentido, não estão a ser cumpridas as dotações seguras». Para a CDU, existe uma Europa de assimetrias e não a duas velocidades, na medida em que «estamos a exportar mão-de-obra qualificada», na qual o País investiu e da qual tem necessidade.

Segundo o representante do MPT, «os países ricos exportam mercadorias e serviços e os países pobres exportam pessoas altamente qualificadas» como se fossem ricos nesta matéria. Para o advogado, «a mercantilização da saúde condiz a situações desastrosas para a população».

 


Na mesma linha de pensamento, o Enf.º Miguel Rasquinho afirmou que a «questão da Saúde estar incluída nos serviços só vai mudar quando algo de grave acontecer. Só aí se vai olhar para a Saúde como deve ser olhada».

Também a candidata Dr.ª Ana Clara referiu que «não devemos encarar a Saúde como consumo». Em relação ao desemprego dos enfermeiros e à sua mobilidade, a professora disse que estão a ser recriadas condições para os jovens e deu como exemplo a Medida Garantia Jovem – que além da formação e estágio, inclui emprego no final. «A aposta no emprego é importante para que não haja saída de jovens qualificados do nosso País», concluiu.

No final do debate, a Enf.ª Isabel Oliveira pediu a todos «que sejam vozes ativas na defesa de uma mais e melhor saúde para os nossos cidadãos».

 

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